A palavra de ordem é (re)pensar o papel das cidades na conjuntura contemporânea com um exercício essencial para entender como o crescimento urbano, frequentemente desordenado e vertiginoso, vem modelando ambientes desigualitários e experiências urbanas variadas. A forma como habitamos dialogam com a cidade que depende de múltiplos fatores sociais, como gênero, raça e classe social, que indicam o nosso lugar e visibilidade nesses espaços. Mas, e se alargássemos esse olhar para incluir as crianças, um grupo na maioria das vezes invisibilizado nas deliberações de políticas urbanas?
O que esperar da experiência de uma criança ao andar pelas ruas? O que uma criança capta ao dialogar com a cidade? É fácil desprezar as crianças, assim como os adultos, mas que fique claro, elas são cidadãs plenas que experimentam e se familiarizam com o ambiente urbano, usufruindo do transporte público, frequentam escolas e parques, e coparticipam com múltiplos equipamentos urbanos. Apesar disso, suas vozes excepcionalmente são concebidas no planejamento das cidades.
Na verdade, reconhecer as crianças como sujeitos de direitos acarreta na importância de escutar e legitimar seus ensinamentos quando da formulação das políticas urbanas. A criança não é e não deve ser vista como um ser passivo ou sem opinião, longe disso, sua colaboração nas etapas de planejamento e decisão é indispensável. Ouvir as crianças não apenas aperfeiçoa o processo de elaboração das políticas urbanas dos municípios, mas vai além disso, é uma forma de criar a mentalidade cidadã na concepção de cidades modernas. Esse olhar inclusivo deve motivar a criação de espaços urbanísticas propícios para que as crianças possam expressar suas demandas e anseios de forma eficiente.
Ademais, pensar a cidade para crianças representa considerar a repercussão nas redes de cuidadoras, muitas das quais são hegemonicamente mulheres. Isso integra uma concepção de gênero na idealização urbana em toda sua extensão, fomentando uma abordagem mais inclusiva e equitativa. Espaços acessíveis, seguros e estimulantes são primordiais para a autonomia das crianças, o que, por sua vez, favorece toda a comunidade. A criação de uma “cidade de 15 minutos”, onde serviços e espaços são de fácil acesso, é um exemplo de como o planejar urbano pode propiciar comodidade a vida das crianças e de seus cuidadores.
Nesse contexto, é de suma importância construir e permear na criação de ambientes que possam promover o livre brincar que estimulem o desenvolvimento físico, emocional e social das crianças como essencial. O brincar é a principal forma que as crianças interagem com o mundo, e suas demandas devem ser retratadas na infraestrutura urbana. Uma cidade que se adequa às necessidades das crianças é, consequentemente, uma cidade mais acolhedora e humana para todos os seus habitantes.
Dessa forma, é de bom alvitre que iniciativas como o projeto Urban 95 sejam contemplados nos municípios, onde se busca a inclusão de bebês, crianças pequenas e cuidado(a)res no planejamento urbano e nas estratégias de mobilidade com o conceito de “Cidades Amigas da Criança”, promovido pela UNICEF e outras organizações, e tem como cerne a transformação das cidades em ambientes mais inclusivos, seguros e acessíveis para todas as idades, de forma especial para os mais jovens, incorporando as perspectivas infantis na formulação de políticas urbanas.
Nesse contexto, (re)pensar o papel das cidades é mais do que uma questão urbanisticamente falando, é uma responsabilidade com a justiça social e a igualdade. Vislumbrar as cidades por intermédio dos olhos das crianças nos ajuda a construir um futuro mais equânime, onde toda cidadã e cidadão, não obstante a idade, possa se sentir verdadeiramente parte do processo de construção dos espaços urbanos. Ao incorporar a ótica infantil nas discussões sobre o futuro das cidades, os gestores públicos estarão dedicando as presentes e futuras gerações um ambiente urbano mais humano e inclusivo para todos e todas.
Marcelo Augusto Rodrigues, é advogado especialista em direito ambiental e urbanístico, ex-Secretário de Meio Ambiente do Recife, e sócio proprietário do escritório de advocacia Marcelo Rodrigues Advogados