O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), será o relator da interpelação protocolada nesta quarta-feira (31) pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, para que o presidente Jair Bolsonaro esclareça declarações feitas sobre seu pai, Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, morto por forças do Estado durante a ditadura militar, segundo documentos oficiais. Na interpelação, o presidente da OAB aponta possível ocorrência de crime de calúnia e deixa clara a pretensão de mover uma ação penal contra Bolsonaro.
“O pedido de explicação é medida de interpelação judicial prevista no art. 144 do Código Penal que autoriza o ofendido a pedir explicações a respeito de manifestações que possam configurar qualquer um dos crimes contra a honra”, diz um trecho do documento. “Ao interpretar o artigo em questão, esse egrégio Supremo Tribunal Federal já esclareceu que se trata de ‘procedimento de natureza cautelar’, de caráter ‘personalíssimo’, que visa a ‘que se esclareçam situações revestidas de equivocidade ou dubiedade, a fim de que se viabilize o exercício futuro da ação penal'”, acrescenta o texto.
O presidente da OAB acionou o STF após declarações de Bolsonaro questionarem as conclusões oficiais a respeito do desaparecimento de Fernando Santa Cruz. “Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, conto para ele. Ele não vai querer ouvir a verdade”, disse o presidente da República, na segunda-feira (29/7). Horas depois, durante uma live na internet, enquanto cortava o cabelo, Bolsonaro acrescentou que o pai de Felipe Santa Cruz foi morto pelo “grupo terrorista” Ação Popular do Rio de Janeiro, e não pelos militares.
Esclarecimentos
Na interpelação, o presidente da OAB questiona Bolsonaro se ele efetivamente tem conhecimento das circunstâncias da morte de seu pai. Também quer saber quais informações o presidente recebeu, além de perguntar se ele pode nominar os autores do crime e informar a localização dos restos mortais de Fernando. Outra pergunta é por que o chefe do governo não denunciou ou determinou a apuração dos fatos.
O ministro Luís Roberto Barroso vai notificar o presidente da República para que sejam prestados os esclarecimentos solicitados, embora ele não seja obrigado a responder aos questionamentos.
Doze ex-presidentes da OAB assinaram a interpelação, em um gesto de solidariedade a Felipe Santa Cruz. Eles também atuarão em sua defesa durante a tramitação do caso no STF. A lista de ex-presidentes inclui nomes de peso da advocacia, como Marcello Lavenère Machado, José Roberto Batochio, Ophir F. Cavalcante Junior e Eduardo Seabra Fagundes.
A interpelação apresentada ao STF afirma ser “inaceitável” que o ocupante do mais alto cargo da República não esclareça a razão da sua própria omissão. Diz ainda que as declarações de Bolsonaro não estão “lastreadas” em documentos oficiais e contrariam a posição oficial e expressa do Estado brasileiro, que reconhece o desaparecimento forçado de Santa Cruz.
“As declarações do Presidente da República acerca das circunstâncias do desaparecimento de Fernando Santa Cruz são muito graves. Elas podem, sim, caracterizar o seguinte crime de responsabilidade, previsto no art. 9º, item 7 da Lei nº 1.079/50”, disse ao Correio, referindo-se à chamada lei do impeachment, o professor Cristiano Paixão, da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB).
Mais cauteloso, Fernando Parente, do escritório Guimarães Parente Advogados, disse que, a priori, não está caracterizado o crime de responsabilidade, mas que essa discussão “é possível em razão da incompatibilidade de tal conduta com o decoro do cargo de Presidente da República, pois, além do tom jocoso, a fala vai contra os dados estatais, que reconheceram o desaparecimento e morte não natural do pai do interpelante”.
As declarações de Bolsonaro sobre Fernando Santa Cruz foram feitas a jornalistas, na segunda-feira (29/7), no momento em que ele criticava a atuação da OAB durante as investigações do atentado a faca que sofreu em Juiz de Fora, em Minas Gerais, em um ato da campanha presidencial. A Ordem havia se posicionado contra operações de busca e apreensão e outras violações das prerrogativas do advogado que defendia o autor do crime, Adélio Bispo.