Por Marcelo Rodrigues
Nas paisagens rurais brasileiras ecoa há gerações uma sabedoria ancestral cultivada no campo: “sem abelha, sem fruta”. Esta expressão simples, transmitida entre agricultores de mãos calejadas pelo trabalho na terra, carrega uma verdade profunda que a ciência moderna tem confirmado sistematicamente. A observação empírica desses produtores, fruto de décadas contemplando os ciclos naturais, levanta uma questão crucial para nossa época: como seria um mundo privado do zumbido das abelhas?
Aproximadamente 75% das culturas alimentares que sustentam a humanidade dependem, em algum nível, desses pequenos polinizadores. Traduzindo em termos econômicos, o serviço prestado naturalmente por esses insetos representa mais de 235 bilhões de dólares anuais à produção agrícola mundial. Estes não são meros números abstratos – são a base da segurança alimentar global.
Uma manhã sem café, verões sem melancias, mesas sem morangos. O desaparecimento do abacate nos cardápios contemporâneos, a ausência do tomate que enriquece incontáveis preparações culinárias. Centenas de alimentos se tornariam raridades ou simplesmente deixariam de existir nos mercados mundiais. Os poucos que sobrevivessem alcançariam preços proibitivos, ampliando dramaticamente o abismo da desigualdade alimentar e comprometendo o acesso a uma nutrição adequada para grande parte da população global.
Nas últimas décadas, o que antes representava a perda ocasional de colmeias durante períodos climáticos adversos, converteu-se em um fenômeno recorrente e de escala crescente. Há relatos semelhantes multiplicam-se pelo território nacional, refletindo um fenômeno global que sinaliza um alerta vermelho para o futuro coletivo.
A caatinga abriga um tesouro biológico incomparável: pesquisadores catalogaram mais de 187 espécies de abelhas nativas neste bioma. Esses seres vivos desenvolveram relações exclusivas com determinadas plantas ao longo de milhões de anos de coevolução. Esta intrincada teia evolutiva, impossível de reproduzir em ambientes controlados, encontra-se ameaçada de interrupção permanente. Quando uma espécie polinizadora desaparece, leva consigo não apenas sua função ecológica, mas toda uma cadeia de vida que dela dependia direta ou indiretamente.
O corpo listrado desses pequenos seres, raramente ultrapassando dois centímetros, carrega em seus pelos e patas traseiras o pólen que fertilizará outras flores. Este transporte, aparentemente trivial, representa um dos alicerces fundamentais sobre o qual se construiu a biodiversidade do planeta. Um mundo sem abelhas seria um mundo de florestas silenciosas e campos estéreis – uma realidade que se aproxima perigosamente a cada colmeia perdida.
Especialistas identificam os principais fatores responsáveis por este declínio populacional: o uso indiscriminado de agrotóxicos; o desmatamento que reduz habitats naturais; as mudanças climáticas que alteram ciclos de floração; e o surgimento de novos parasitas e doenças que comprometem colônias inteiras.
Debates legislativos sobre projetos que visam restringir agrotóxicos nocivos aos polinizadores frequentemente enfrentam resistência determinada de grupos econômicos influentes. Simultaneamente, iniciativas promissoras ganham espaço: corredores ecológicos com espécies floríferas sendo implantados em diversas regiões, áreas de conservação específicas para polinizadores sendo estabelecidas, e produtores rurais migrando gradualmente para métodos de cultivo mais sustentáveis e compatíveis com a preservação destes insetos fundamentais.
O tempo para agir é agora. A sobrevivência das abelhas não é apenas uma questão ambiental isolada – é a garantia do nosso próprio futuro. O zumbido que hoje ignoramos pode ser o som mais valioso que precisamos preservar para as próximas gerações.
Marcelo Rodrigues, é advogado especialista em direito ambiental e urbanístico, consultor técnico em sustentabilidade da Prefeitura Municipal de Caruaru, ex-Secretário de Meio Ambiente do Recife.