No ano de 1095, o Papa Urbano II, em meio a uma multidão, proclama em Roma a primeira cruzada. Como herdeiro de São Pedro e representante de Deus na terra conclama todos os cristãos a lutarem contra um inimigo comum, os hereges, os apócrifas, os infiéis que ameaçavam a Terra Santa e toda a cristandade.
Em uma incrível jogada de marketing político, ele tira o foco dos agudos problemas e crises vivenciadas pela Europa e canaliza em uma direção, o Oriente, o Islã. As chacinas, o genocídio foi um pequeno custo a ser pago em nome da glória de Deus, da Igreja e da redenção da Europa.
No final do século XX e início do século XXI, assistimos mais um movimento cruzadista, desta vez, está em jogo a glória e a sacralização do capital e do mercado, e o inimigo em comum são os movimentos sociais/populares e em particular o movimento sindical e dos excluídos como um todo.
Esta nova Guerra Santa busca através de vários artifícios e subterfúgios liquidar todas as conquistas sociais, trabalhistas, sindicais e previdenciárias conquistadas pelos trabalhadores ao longo da história recente. Nesse processo, o capital e seus agentes buscam não apenas liquidar, como desqualificar, criminalizar e estigmatizar os sujeitos, suas entidades representativas e os seus movimentos.
A gênese desse fenômeno perverso surge a partir da década de 1970, quando a crise se instalou nos países economicamente hegemônicos. Para os teóricos conservadores e reacionários é chegada a hora da reestruturação produtiva do capitalismo.
O capital necessitava nesse momento recompor sua taxa de lucro, aumentar seu poder e controle sobre o processo de produção e sobre os trabalhadores. Estão assim, lançadas as bases do neoliberalismo.
As teses ultraliberais do austríaco Friedrich Hayek que permaneciam engavetadas, voltaram à tona, tornaram-se a bíblia do neoliberalismo, a Escola de Chicago seu templo e o economista Milton Friedman seu Profeta. Surgem novas frases conceitos e termos: Reforma do Estado, Estado Mínimo, reforma fiscal, flexibilização, requalificação, terceirização, privatização, entre outras.
Um novo modelo requer um novo rosário e um novo credo, e para atingir tais objetivos sacrossantos o Estado tem que se mostrar forte, não na regulamentação da economia e sim para romper com o poder dos sindicatos, na redução dos gastos sociais. Todos essas artimanhas, tratam-se na verdade de um processo de globalização, melhor dizendo de mundialização da economia, o qual, está ancorado nos grupos transnacionais que ordena a geopolítica do capital em escala planetária e a desregulamentação e liberalização da economia.
Na passagem dos anos 1970 aos 1980 ocorre uma radical reviravolta nas relações internacionais, com a passagem da Coexistência Pacífica à Nova Guerra Fria. Os Estados Unidos e o sistema capitalista, que na década de 1970 pareciam enfraquecidos e na defensiva, passaram à ofensiva na década de 1980, enquanto a URSS e os movimentos nacionais e esquerdistas do Terceiro Mundo, que se encontravam em ascensão, bruscamente se retraíram, caindo numa posição defensiva.
Enquanto isso, as estruturas sociais, econômicas e tecnológicas, bem como, os movimentos ideológicos e culturais sofreram alterações profundas, no quadro de uma ampla reação conservadora, da qual Ronald Reagan, Margareth Thartcher e o Papa João Paulo II serão seus expoentes.
O mundo moderno cedia passos ao pós-moderno, gerando a crise da socialdemocracia no primeiro mundo, em seguida a do nacionalismo desenvolvimentista no terceiro mundo, e finalmente do socialismo real soviético no segundo mundo. No quadro de uma acelerada militarização. A URSS tentaria reformar-se e, finalmente, se renderia e desintegraria, ponto fim à Guerra Fria e a um ciclo histórico.
Em um breve espaço de tempo, o neoliberalismo ortodoxo foi ungido em catecismo do capital. A ofensiva adquiriu proporções mundiais. A sacralização do mercado foi acompanhada de privatizações selvagens, que se propagaram dos países industrializados aos do terceiro mundo, e onde quer que tenha encontrado resistência, o FMI e o Banco mundial, vigilantes, intervieram no seu estilo, quebrando-os e subjugando-os.
Em pouco tempo assistiu-se a uma concentração violenta e bárbara do capital nas mãos de uma minoria cada vez mais rica, enquanto a situação dos assalariados se degradava e a percentagem de pobres aumentava de maneira alarmante. Ao mesmo tempo, uma poderosa máquina difusora do pensamento único promoveu no mundo uma gigantesca cruzada em nome de um novo projeto “civilizatório”.
Tal empreendimento contou com apoio sacerdotal de intelectuais, jornalistas, homens de negócios, políticos convertidos das mais diversas matrizes ideológicas. A “lógica” e a “razão” pragmáticas deram legitimidade atais propósitos.
Nesse novo cenário global, perante o controle quase absoluto do sistema midiático pelo grande capital, criou-se uma situação aberrante que inverte os papéis. O projeto neoliberal é apresentado como humanista e renovador, e suas teses, profundamente reacionárias, aparecem mascaradas de progressistas.
O opositores são fustigados como gente arcaica, herege, defensores da irracionalidade. Sugere-se que o Estado é vocacionalmente inimigo do homem moderno e que o mercado, sem controle algum, responde às aspirações mais espontâneas e nobres do homem. Pela liturgia do neoliberalismo, o Estado está associado à tirania; o mercado está associado à democracia; a cidadania está associada ao consumo; e os movimentos sociais/populares associados ao atraso e à delinqüência.
É nesse contexto do neoliberalismo, que a emergência do Estado Penal em detrimento do Estado social, que ocorre o processo de criminalização dos pobres, da pobreza e dos movimentos sociais/populares, desencadeado pelo capital e suas múltiplas estratégias de ampliação de suas taxas de lucros.
Nesse ambiente o Estado lança mão do aparato policial e do judiciário, no sentido de conter as “classes perigosas”. Na lógica da criminalização, os jovens pobres e negros, a população de rua e os movimentos sociais/ populares são alvos preferenciais.
Seguindo essa trajetória, as políticas sociais sofrem um processo profundo de mercantilização, distanciando-se, portanto, da perspectiva de proteção social. Nesse sentido o que impera é o mérito individual e se destrói a noção de universalidade dos direitos, dando lugar à focalização e a seletividade.
No Brasil, os ideais neoliberais vãos se fundir com uma cultura política centenária, em que a pobreza é vista como sinônimo de vadiagem, amoralidade e delinquência, onde as questões sociais foram e são tratadas como caso de polícia.
Em um país onde os resquícios do patrimonialismo, coronelismo e clientelismo se reciclam ao longo dos tempos sem perder sua essência, a criminalização dos pobres, da pobreza e de qualquer movimento de resistência cai como uma luva nas mãos das nossas elites, até porque da parte delas nunca reconheceram historicamente os indivíduos das camadas populares como portadores de cidadania.
A criminalização dos movimentos sociais/populares é uma dimensão orgânica da política de controle dos Estados, nos mais diferentes recantos do planeta em tempos de crise. Essas ações articulam diferentes planos das estratégias de dominação, que vão desde a criminalização da pobreza e a judicialização dos protestos e das greves até à repressão política aberta e a militarização dos espaços públicos e privados, que têm como o único intuito, reduzir, domesticar ou eliminar as dissidências e a contestação da ordem perversa em que estamos inseridos.
As minúcias do Estado penal se expressam maneira clara em relação a quem ele combate através do estigma e da criminalização de seus opositores. É nessa trajetória de ascensão do neoliberalismo que entendemos a desconstrução do Estado de Proteção Social e do surgimento do Estado Penal, no qual as lutas pelos direitos sociais passam a ser vistas como delitos, e os sujeitos sociais que as promovem, como delinqüentes.
A consolidação do neoliberalismo e a estruturação do Estado Penal não se deveram apenas à eficiência do capital e de seus múltiplos agentes, ocorreram principalmente pela fragilidade de setores de esquerda em todo o mundo, que não quiseram ou não souberam entender a nova realidade que se apresentava: suas contradições, dimensões e suas demandas. Caíram no conto do “pensamento único” e do “fim da história”. Arquivaram seus projetos, renunciaram à luta, esconderam suas bandeiras e se esqueceram de suas palavras de ordem.
Acomodados em gabinetes ou aparelhando entidades e movimentos, pensaram que poderiam modificar a sociedade, servindo aos responsáveis da ordem estabelecida, ou seja, que o avanço se daria pela soma de concessões e favores doados pelos algozes às suas vítimas.
O Partido Comunista Brasileiro (P.C.B) entende, que o capitalismo ao vestir o modelo neoliberal, se despiu ao mesmo tempo de qualquer princípio humanitário. Que a saída à crise mundial está na organização e mobilização social/popular e na construção de novos paradigmas civilizatórios, calcados nas relações solidárias e fraternas entre os homens.
Nesse contexto, ser esquerda no Brasil hoje é estar nas mobilizações populares, é possuir uma agenda centrada na plena defesa dos trabalhadores, é renegar a cooptação política e o servilismo, é nunca trair nossas ideias e ideais, é estar na vanguarda da luta e na sua pluralidade, é ter orgulho das nossas bandeiras e fé no futuro brilhante para humanidade.
Ser esquerda em Caruaru, é nunca trair os trabalhadores e os excluídos, é buscar uma alternativa democrática e popular de poder, é principalmente combater o modelo de gestão municipal que por meio de uma simbiose perversa combina patrimonialismo, coronelismo, clientelismo e o neoliberalismo, que busca através de um populismo personalista e midiático alienar o povo e construir um Estado Penal no “país de Caruaru”.
Ser esquerda em Caruaru é romper com o modelo maniqueísta que tem permitido a alternância dos grupos oligárquicos no poder, responsáveis direto pelo grau de exclusão e segregação social de seus habitantes, no qual se tornou possível falar de democracia sem povo ou participação popular, e de cidade sem cidadãos. Ser de esquerda é combater em seu cotidiano todas as formas de tiranias, de opressões e de preconceitos, é se opor à cruzada neoliberal em sua hegemonia planetária. Ser de esquerda é estar no PARTIDO COMUNISTA DO BRASILEIRO (PCB).
Comissão Provisória de Caruaru – Partido Comunista Brasileiro.