A economia brasileira pode surpreender positivamente em 2023, na avaliação do economista Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central e presidente do Conselho da Jive Investments. Segundo ele, a desaceleração da inflação de março, quando o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) registrou alta de 0,71%, é consistente e pode abrir espaço para o Banco Central começar a reduzir a taxa básica da economia (Selic), atualmente em 13,75% ao ano, a partir de junho.
Pelas estimativas de Figueiredo, o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano poderá crescer mais de 1,5%, acima da mediana das estimativas do mercado coletadas no boletim Focus, do Banco Central, de 0,91%. “Primeiro, porque o caminho fiscal está com uma cara melhor, e isso melhora a confiança ao longo do tempo. Depois, o setor agrícola está indo muito bem e vai surpreender bastante”, explica Figueiredo.
O governo está dando passos para frente na área fiscal, de acordo com o economista, pois o desenho do novo arcabouço está no caminho certo para conter o crescimento da dívida pública “de forma acentuada”. Contudo, ele alerta que há vários retrocessos na área microeconômica, no novo marco do Saneamento, na Lei das Estatais e na gestão da Petrobras, que, segundo ele, podem comprometer os avanços na área macroeconômica.
Quando esteve no Banco Central, Figueiredo foi responsável pela implementação do Sistema de Pagamento Brasileiro (SPB), que completa 21 anos no próximo mês. O SPB, implementado no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), foi uma revolução na época e referência mundial.
Na avaliação do ex-diretor do BC, a autoridade monetária está correta ao manter os juros no atual patamar. “Os juros estão altos porque é necessário, até que as pressões inflacionárias baixem”, diz. Ele acredita que o Brasil pode ser um dos primeiros países a iniciar o ciclo de normalização, se continuar na direção correta.
A seguir os principais trechos da entrevista de Figueiredo ao Correio:
O Sistema de Pagamentos Brasileiro (SBP) está completando 21 anos. Como avalia os resultados?
Foi uma grande revolução. A mudança foi feita de maneira organizada. O sistema anterior de pagamentos era uma grande colcha de retalhos, construída ao longo da história e de vários planos econômicos. E tinha um grave problema. Por ser desorganizado e ineficiente, a responsabilidade, caso houvesse uma falha de um agente ou banco, ficava nas costas do Banco Central.
Como era esse sistema?
As instituições tinham conta-corrente no Banco Central, a conta reserva bancária. Quando o banco sacava a descoberto, pagava os compromissos dele e não conseguia cobrir a conta no final do dia, ele quebrava em cima do Banco Central, do erário e dos cidadãos brasileiros. E, como não havia uma proteção nos sistemas de pagamento, se alguém quebrasse poderia gerar um problema sistêmico. A partir daquele momento, o BC não permitiu mais que se sacasse a descoberto na conta de reserva bancária. Para se ter uma ideia, até aquele momento, já tinham sido gastos com quebra de bancos algo entre US$ 100 bilhões e US$ 150 bilhões daquela época. Um volume absurdo.
Que outros benefícios houve?
O novo sistema abriu o espaço para que o Banco Central criasse uma série de instrumentos e aumentasse a concorrência, reduzindo muito o custo de transacionar no Brasil. O Fundo Garantidor de Crédito (FGC), que não era usado, ganhou efetividade. Isso é uma coisa boa, porque, no final, é o setor privado resolvendo seus problemas. Esse trabalho de modernização, acabou tendo uma consequência muito legal, que foi a criação da TED.
Dizem que a TED é a mãe ou avó do Pix.
A TED representou uma democratização do acesso a recursos financeiros. Naquela época, uma pequena loja esperava dois, três dias, às vezes, uma semana para compensar um cheque recebido de uma venda. Com a TED, essa operação ficou uma coisa on-line. Facilitou muito a vida de todos. E, na verdade, era um pouco a cabeça do Pix naquela época. Mas, claro que o Pix é uma grande evolução, porque é 24 horas por dia.
Olhando para esses 21 anos, como o senhor avalia a evolução que a gente teve? O Brasil conseguiu dar outros passos importantes?
Sem dúvida. O custo de pagamentos no Brasil sempre foi muito alto por falta de concorrência. E essa modernização acabou gerando possibilidades de novas empresas no mercado. E isso deu mais acesso às pessoas a cartão de crédito, a conta corrente, a pagamentos em tempo real. O Pix é uma dessas modernizações, algo espetacular que vários países querem copiar.
O Banco Central está certo ao manter a taxa de juros no nível atual e não ceder às pressões do governo?
Ele está certo. Podem discutir se os juros deveriam estar meio por cento mais altos ou mais baixos. Mas os juros estão altos porque é necessário. E é necessário até que as pressões inflacionárias baixem. O problema é que, quando você fica trazendo incerteza, esse processo se prolonga. E aí o impacto é muito maior. É um problema quando se coloca em xeque a responsabilidade fiscal num país com endividamento tão alto quanto o Brasil. E quando os agentes começam a achar que a inflação vai subir, não dá para o Banco Central reduzir os juros. Mas caminhamos para um momento mais benigno. O governo veio com um pacote fiscal razoável, que, no mínimo, não deixa a dívida crescer de maneira muito acentuada, o que já é uma redução de risco muito importante. Com esse novo arcabouço e um deficit fiscal menor, abre-se espaço para o Banco Central reduzir os juros. Acho que os juros podem começar a cair em junho.
O cenário de fraude da Americanas, do crédito escasso, de juro alto pode prejudicar o sistema, ter algum problema de inadimplência? Com o juro caindo resolve?
Até pelo tamanho, o caso da Americanas acabou dando uma chacoalhada muito grande no mercado, porque é uma fraude de R$ 20 bilhões e, se a empresa for para o buraco, você está falando de R$ 45 bilhões. E o mercado vai sofrer. Outras empresas com alguma fragilidade também apareceram no meio caminho, e isso acabou gerando um receio maior. Quando se analisa a questão do crédito, você tem que olhar duas vertentes. No caso dos bancos, eles estão com capital, estão tranquilos. Claro que, como o risco aumentou, os spreads subiram, mas não é que não existam recursos disponíveis. Existem sim. No caso do mercado de capitais, houve um momento que deu uma certa congelada. Houve saques e os fundos deram uma parada boa. Mas, aparentemente, o pior já passou. A apresentação da nova regra fiscal já reduziu a curva de juros em mais de 100 pontos.
Então, isso dá alívio no mercado de crédito?
Hoje, daria para dizer que estamos melhores do que há algumas semanas. Uma coisa que as pessoas, às vezes, não entendem é o motivo de o Banco Central elevar os juros. Ele sobe o juro para reduzir a demanda. Ou seja, é, sim, para esfriar a economia, mas ele não quer provocar uma recessão. É para que a economia e os preços se acomodem. E, quando isso acontece, o BC pode afrouxar a política monetária, voltar ao normal. Nos ciclos econômicos, é sempre dessa forma. Dói como qualquer remédio. Demora um pouco para fazer efeito, depois, a vida segue para uma situação de mais normalidade.
A inflação de março apresentou desaceleração, o que melhorou o humor do mercado. Esse processo é consistente?
O core (da inflação), que é menos volátil, também ficou melhor. A atividade está mais fraca e o crédito, mais apertado. Tudo isso junto me faz supor que, sim, é mais consistente. Não é uma queda muito rápida. É um processo gradual.
A queda recente do dólar ajuda?
Ajuda e vem em um bom momento. Mas o problema é que o dólar, assim como cai, volta a subir. Ao meu ver, o dólar não está muito depreciado no Brasil. Ele está muito mais perto do equilíbrio do que depreciado.
E qual é o ponto de equilíbrio? Em torno de R$ 5 e R$ 5,20?
É em torno disso. Pode ser um pouco mais, ou um pouco menos
Alguns economistas questionam a visão de que o Brasil tem problemas fiscais por olhar somente para a dívida bruta e não para dívida líquida, e, nesse contexto, a dívida brasileira poderia ser de até 45% do PIB, o que seria muito mais administrável. Tem lógica isso?
Eu sou um dos que olhava muito a dívida líquida em vez da dívida bruta. Acontece que a diferença entre as duas são os ativos que o governo tem e que, no final, não sabemos bem quanto valem nem se ele vai poder transformar em dinheiro e pagar a dívida. Então, muitos países usam a dívida bruta. E a dívida bruta do Brasil é, senão a maior, uma das maiores dos países emergentes, em torno de 73%, 74% do PIB. Seria preciso que ela começasse a cair gradualmente, e daí vem toda essa discussão.
O que é preciso para termos um clima de mais tranquilidade e previsibilidade?
Aprovar o arcabouço fiscal e a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), que vai dizer qual será o resultado primário deste ano e do ano que vem. Isso já vai ajudar bastante. Os mercados têm melhorado desde que começaram a vazar partes do arcabouço fiscal. Principalmente a curva de juros, que é o custo na veia da rolagem da dívida. Outra coisa é que a reforma tributária, se for aprovada, tem o poder de melhorar muito a eficiência, a produtividade na economia. Mas o problema maior é no lado microeconômico.
O senhor destaca o quê?
Eles estão tentando dar um monte de passos para trás. Aí entra a questão do saneamento, a lei das estatais, a maneira que eles estão lidando com a Petrobras, a questão do Banco Central. Falaram da lei trabalhista e até de ressuscitar o Fies, que foi um escândalo. Enfim, tem coisas que o PT já fez, deram errado, e estão ressuscitando. Para um país em que metade das pessoas não têm esgoto e 30% a 40% não têm água potável, os decretos que mudam a Lei do Saneamento são uma loucura. Da aprovação da lei até agora, foram 29 novas empresas com mais de R$ 80 bilhões de contratos de investimento firmados. As empresas estatais nunca investiram, e volta o sistema onde elas, mesmo sem contrato, sem nada, continuam valendo. É um escândalo. É perpetuar a desigualdade social no país, na contramão do discurso presidencial de reduzir as desigualdades.
Com relação ao crescimento da economia, podemos ter alguma surpresa este ano?
Acho que sim. O Focus está um pouco abaixo de 1%, mas eu acho que o crescimento pode ser pouco superior a 1,5%, por algumas razões. Primeiro, porque o caminho fiscal está com uma cara melhor, e isso melhora a confiança ao longo do tempo. Depois, o setor agrícola está indo muito bem e vai surpreender bastante.
Para o ano que vem já estão falando em 3%. É possível?
Acho cedo para falar. Podemos ter um bom crescimento, mas vai depender da parte microeconômica. Se houver muitas coisas ruins no lado micro, elas se tornam um problema macro e em entraves para o crescimento.