Nesses tempos de contingência, confinamentos e uma enxurrada de informações sobre a pandemia de coronavírus (covid-19), muitas dúvidas ainda pairam, principalmente entre pessoas que se enquadram nos grupos de maior risco de contágio. Um deles merece ainda mais atenção, pela complexidade dos sintomas e de seus cuidados: os pacientes de doenças raras.
“Pessoas com distrofias musculares, por exemplo, costumam ter acometimento cardíaco e pulmonar devido à insuficiência de funcionamento desses órgãos, tornando-se, assim, mais vulneráveis aos vírus que atacam o sistema respiratório”, explica a pediatra Ana Lucia Langer, especialista em doenças neuromusculares, como a distrofia muscular de Duchenne.
Com implicações diversas, quem tem uma doença rara geralmente precisa de um cuidado constante e multidisciplinar. As patologias podem debilitar ainda mais o sistema imunológico, como as que afetam o aparelho respiratório, digestivo, muscular e cardíaco. Em outros casos, em virtude de algumas dessas enfermidades, os pacientes precisam ser transplantados e submetidos a medicamentos imunossupressores para o resto da vida.
A médica ressalta que apesar de essas pessoas precisarem redobrar os cuidados com a higiene e respeitar ao máximo o isolamento social, é muito importante que todos mantenham seus tratamentos e, em caso de dúvidas ou de qualquer intercorrência fora da rotina, devem entrar em contato com os profissionais de saúde responsáveis por sua assistência.
Os cuidados dispensados para os pacientes raros muitas vezes incluem idas a hospitais e centros especializados para realização de procedimentos, fisioterapia, infusões, transfusões ou administração de medicamentos. Mesmo aqueles que podem seguir seus tratamentos em domicílio, muitos têm dificuldades diversas, como cognitivas ou de mobilidade. Outros usam aparelhos e materiais descartáveis que demandam o contato direto com outras pessoas, normalmente familiares e cuidadores. Tantas variáveis podem gerar dúvidas e insegurança sobre a necessidade de procedimentos especiais ou diferenciados para pessoas com doenças raras em relação ao covid-19.
A cardiologista Maria Cristina Izar, da Universidade Federal de São Paulo e ex-presidente do Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia, reforça a importância dos cuidados e do respeito ao isolamento social neste momento de pandemia. Especialista na síndrome da quilomicronemia familiar (SQF) – uma doença genética hereditária, que causa um grande acúmulo de gordura (lipídios) no sangue, aumentando demasiadamente as taxas de triglicérides -, tem entre seus pacientes pessoas obrigadas a seguir dietas alimentares muito rigorosas, que, por isso, podem ter a saúde debilitada. “Por ser uma doença muito rara e subdiagnosticada, muitas vezes, o longo tempo sem o diagnóstico correto leva a consequências graves, principalmente sobre o pâncreas e o fígado, e isso pode fragilizar o sistema imunológico dessas pessoas”, completa. A médica indica ainda que os pacientes procurem saber se seus médicos ou centros de atendimento estão disponibilizando canais de comunicação por meio dos quais possam receber atendimento virtual, reduzindo a necessidade de se deslocarem para isso.
Já para a neurologista Marcia Wadington Cruz, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em comunicado aberto à comunidade de pessoas com doenças raras, e especialmente com amiloidose, que é sua especialidade, reforça: “vocês são um grupo de risco porque têm uma doença crônica, e devem evitar o contato social, como vem sendo veiculado amplamente em todos os meios de comunicação”, diz a médica num áudio de orientação divulgado. “Não alterem a rotina de medicamentos que vocês vêm usando, e se tiverem qualquer dúvida, tirem com seus médicos assistentes. Promovam esse diálogo antes de tomar qualquer medida como substituição, retirada ou alteração no tratamento que estejam fazendo”, direciona. A hATTR (amiloidose associada à transtirretina hereditária) tem como primeiros sintomas a perda de sensibilidade à temperatura por isso, muitas vezes, é confundida com hanseníase, dificultando o diagnóstico e início dos cuidados. Entre os sintomas, formigamento nos pés e pernas, membros superiores. A doença pode evoluir para quadros graves de comprometimento do sistema nervoso, que controlam a respiração, circulação sanguínea, digestão, temperatura, entre outras funções vitais.
Orientações direcionadas
Algumas das principais associações de pacientes de doenças raras e a indústria farmacêutica têm se manifestado, oferecendo informações e orientações que reverberam a palavra dos especialistas.
A Federação Brasileira de Associações de Doenças Raras (Febrararas), por exemplo, reuniu em um documento virtual perguntas e respostas com o intuito de orientar pessoas com doenças raras e seus cuidadores para esse momento de pandemia da convid-19.
Já a farmacêutica multinacional especializada em pesquisa e desenvolvimento de terapias para doenças raras, PTC Therapeutics acaba de lançar seu canal no Facebook, com conteúdo informativo, orientações e compartilhamento de mensagens sobre essas e outras situações que envolvem as pessoas com doenças raras no dia a dia. Uma consulta realizada pela PTC Therapeutics também reuniu algumas dúvidas das associações de pacientes sobre o tema. Nesse compêndio de informações, destacam-se algumas dicas importantes:
Não interrompa o tratamento. Procure seu médico em caso de dúvidas.
Quem faz uso contínuo de medicamentos deve avaliar junto ao seu médico opções para evitar as idas às farmácias ou postos de saúde.
Procure saber se os médicos ou hospitais estão disponibilizando canais de comunicação, como telemedicina, para atendimento virtual.
Se for extremamente necessário sair de casa, use máscara. Evite o contato físico ou limite-o apenas a cuidadores, que também devem estar devidamente protegidos, utilizando EPIs (Equipamentos de Proteção Individual).
Cadeiras de rodas, andadores ou muletas também devem ser higienizados, principalmente depois de saídas à rua ou a locais externos por onde passam outras pessoas. Essa higienização pode ser feita com álcool 70 ou solução de hipoclorito de sódio.
Tenha sempre à mão – no celular ou escrito em um papel – os contatos da equipe de saúde responsável e as diretrizes de emergência, caso precise mostrar a outros profissionais de saúde ou pessoas estranhas que estejam auxiliando.
Não faça uso de outros medicamentos sem orientação médica.
Caso não tenha um termômetro, providencie. Em caso de febre, falta de ar ou sintomas de gripe por mais de 24 horas, procure um hospital.