Do improviso ao planejamento: como cidades do Nordeste estão se preparando para crises que ainda não chegaram

Por Marcelo Rodrigues

Em um mundo onde as mudanças acontecem numa velocidade impressionante, as cidades brasileiras enfrentam um dilema: como se preparar para problemas que ainda não existem, mas que certamente virão? A resposta pode estar numa palavra em inglês que vem ganhando força entre urbanistas e gestores públicos: “foresight”, que significa literalmente “visão de futuro” ou “antecipação”.

O conceito de foresight no planejamento urbano representa uma mudança fundamental na forma como pensamos o desenvolvimento das cidades. Em vez de apenas reagir aos problemas quando eles aparecem, essa abordagem propõe que olhemos para frente, identificando tendências e cenários possíveis para tomar decisões mais inteligentes hoje. É como jogar xadrez pensando não apenas na próxima jogada, mas nas cinco seguintes.

Para entender melhor, imagine uma cidade que percebe que sua população jovem está migrando para centros urbanos maiores. Com visão de futuro, os gestores não esperariam a cidade esvaziar para agir. Eles analisariam as causas, estudariam experiências similares em outros lugares e criariam estratégias para reter esses jovens, talvez investindo em tecnologia, educação ou oportunidades de empreendedorismo local.

Essa visão antecipada se torna ainda mais crucial quando falamos das cidades do semiárido brasileiro. Essa região, que abrange boa parte do Nordeste e norte de Minas Gerais, enfrenta desafios únicos que exigem soluções criativas e de longo prazo. A escassez hídrica, as altas temperaturas, a necessidade de diversificação econômica e as mudanças climáticas criam um cenário complexo que não pode ser resolvido com medidas improvisadas.

No semiárido, a antecipação no agir urbano pode ser a diferença entre cidades prósperas e sustentáveis ou municípios que lutam constantemente contra crises. Quando uma cidade dessa região aplica essa metodologia, ela pode, por exemplo, prever períodos de seca mais intensos e prolongados, investindo antecipadamente em tecnologias de captação e reuso de água, cisternas comunitárias e sistemas de irrigação eficientes.

Da mesma forma, essas cidades podem antever as oportunidades que surgirão com o avanço da energia solar, aproveitando sua principal vantagem natural – o sol abundante – para se tornarem polos de energia limpa. Ou ainda preparar-se para as mudanças no mercado de trabalho, investindo em capacitação para profissões que ainda nem existem completamente, mas que certamente estarão em alta demanda nos próximos anos.

O planejamento baseado em antecipar o futuro também permite que as cidades do semiárido se preparem melhor para fenômenos migratórios, tanto de pessoas saindo quanto chegando. Com o crescimento das cidades médias e o desenvolvimento de polos industriais e tecnológicos na região, algumas cidades podem experimentar crescimento populacional acelerado. Antecipar isso significa planejar infraestrutura, habitação e serviços públicos adequados.

A implementação dessa abordagem não requer recursos astronômicos, mas sim uma mudança de mentalidade. Significa criar equipes multidisciplinares que estudem tendências, estabelecer parcerias com universidades e centros de pesquisa, e principalmente, desenvolver a capacidade de pensar cenários alternativos. É sair da gestão do “apagar incêndios” para a gestão do “prevenir incêndios”.

As cidades do semiárido que adotarem o foresight como ferramenta de planejamento estarão investindo no seu futuro de forma concreta. Elas poderão transformar seus aparentes desafios em vantagens competitivas, criando modelos de desenvolvimento urbano sustentável que podem inspirar outras regiões do país e do mundo. O futuro não precisa ser uma surpresa. Com visão estratégica e planejamento antecipado, as cidades do semiárido podem escrever sua própria história de sucesso.

Marcelo Rodrigues, é advogado especialista em direito ambiental e urbanístico, consultor técnico em sustentabilidade da Prefeitura Municipal de Caruaru, ex-Secretário de Meio Ambiente do Recife.

Natural do Rio de Janeiro, é jornalista formado pela Favip. Desde 1990 é repórter do Jornal VANGUARDA, onde atua na editoria de política. Já foi correspondente do Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e Portal Terra.