Por Maurício Rands*
Sábado, 29 de maio. Integrantes dos movimentos sociais, indignados com a condução da pandemia pelo Governo Bolsonaro, saem às ruas para manifestação pacífica. Contrastando com a de outros estados, a de Pernambuco não teve aglomeração pelo formato em fila indiana e pelo uso generalizado da máscara. Embora não haja indícios de badernas, saques ou atos violentos praticados pelos manifestantes, agentes da PM partiram para atacá-los. A vereadora Liana Cirne, cumprindo seu mandato, foi agredida ao tentar impedir que policiais reprimissem o evento. Amigos de outros estados dizem-me estar chocados. Perguntam como um governo de um partido com a retórica do PSB pratica atos de violência como os deste sábado. Respondo que muitos pernambucanos estamos tomados por um sentimento de indignação e vergonha. O que também tento fazer quando falo com estrangeiros em relação ao Governo Bolsonaro. São tempos que nos envergonham. Como pernambucanos e como brasileiros. Mas que um dia passarão.
O governador, burocraticamente, limitou-se a dizer que afastou os responsáveis pelos excessos e que não concorda com violência. A muitos pareceu pouco. Lendo um texto anódino e com sôfrega entonação, o governador não foi capaz de expressar indignação. Não negou expressamente ter autorizado a operação de repressão à manifestação. Nem muito menos pareceu se compadecer do sofrimento das vítimas. Inclusive do sr. Daniel Campelo da Silva, que pode ter perdido parte da visão. Vítima de um tiro de bala de borracha. Os comentários nas redes sociais foram inclementes: “Parece um adolescente, lendo mal um texto do colégio”; “nenhuma demonstração espontânea do governador”; “que governador é esse que não controla a própria polícia?”; “sou pernambucana e pela primeira vez senti vergonha do meu estado”; “ ‘vão se manter afastados durante a investigação’ = vão ter umas férias de boa em casa”; “as pessoas têm mais medo do governo do que da Covid!”; “por que essa repressão? que justificativa? tinha baderna? violência? no mínimo, estranho”.
Não faltaram os que saíram em defesa do comportamento da tropa de choque da PM no episódio. Estariam apenas cumprindo suas obrigações. Os excessos teriam sido mera falha cogitável em ações tensas. Não é difícil imaginar que, nas hostes bolsonaristas, pode haver algum regozijo pelo desgaste infligido a um governador de oposição. O que torna mais estranha a omissão de políticos que apoiam o governo federal. Que, até quando escrevo, não se haviam pronunciado.
Alguns, na direção oposta, insinuaram um complô interno contra o governador. Indagam por que não foram praticadas violências similares em outras manifestações organizadas por bolsonaristas em Boa Viagem. Apressaram-se a carimbar os atos de repressão como sabotagem de bolsonaristas infiltrados na corporação com o objetivo de desgastar o governo. Políticos aliados, alguns de partidos de esquerda, evitaram se manifestar. Ou fizeram-no de modo tímido. Com qualificações que possivelmente não utilizariam caso a violência tivesse sido praticada pelo governo federal. Alguns dos que saíram em defesa do governador argumentam que ele precisava mandar dispersar a aglomeração para cumprir o próprio Decreto nº 50.752, de 25/05/2021, que impôs novas medidas restritivas a partir de 26/05/2021.
Algumas outras perguntinhas que ainda esperam resposta convincente: i) teve manifestação em todo o país. Tem PM no Brasil inteiro. Tem PM bolsonarista em todo lugar. Então, por que só em Pernambuco houve a iniciativa de reprimir as manifestações? ii) quem vai responder pela perda do olho do cidadão Daniel Campelo da Silva? Apenas o Estado, ou seja, nós, os contribuintes? Vai haver responsabilização solidária de quem atirou e de quem ordenou a operação? iii) A linha de policiais fechando a Ponte Duarte Coelho parece uma operação bem coordenada. O ataque aos manifestantes, nessas condições, poderia ter sido deflagrado sem autorização do governador? iv) qual foi mesmo a ordem dada pelo governo estadual? v) se mandou dispersar uma caminhada sob o argumento do decreto, o governo não imaginou um cenário de descontrole da tropa? vi) Se a violência foi caso pensado por setores da PM para desmoralizar o governador, ele não deveria ter planejado melhor a ordem para a ação e a designação dos seus executores?
Qualquer resposta a essas indagações deixa o governador numa situação difícil. Ou terá sido responsável pela violência ou é um governador que pouco controla uma força policial que deveria comandar. Ou terá mostrado incapacidade de antecipar cenários e planejar suas ações. Quem não deve estar preocupada com essa lambança é a extrema-direita bolsonarista. Um governo pretensamente de esquerda atacando uma manifestação de esquerda.
*Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford