Governadores de direita rasgam fantasia de democratas por voto bolsonarista em ato na Paulista

Por Ricardo Corrêa
Do Estadão

Poucas horas após centenas de apoiadores de Jair Bolsonaro invadirem os prédios dos Três Poderes exigindo a queda do governo e um golpe de Estado com intervenção militar, no dia 8 de janeiro de 2023, governadores de todo o Brasil se diziam chocados. Entre eles estavam o de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), o de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), o de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), e o do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), que usaram palavras duras para criticar aquelas ações. Neste domingo, de olho em votos de bolsonaristas, todos esses pré-candidatos em 2026 rasgaram a fantasia de defesa da democracia e pediram anistia aos condenados no ato realizado pelo ex-presidente na Avenida Paulista.

Citado como opção do PSD à Presidência em 2026, Ratinho Júnior estreou em um ato a favor da anistia neste domingo. Embora tenha ficado pouco tempo no palco, encontrou-se com Bolsonaro e deu declaração ao Estadão dizendo que há uma “inversão de valores onde a Justiça muita vezes faz uma perseguição política em vez de ter uma posição jurídica e justa”. Disse que é o que se cobrava “para ter o Estado democrático de direito” e que havia uma “causa da população brasileira” pela anistia.

No dia 8 de janeiro de 2023, dia dos atos, o tom era bastante diferente. Os agora injustiçados eram chamados por Ratinho de “terroristas” que atentavam contra a democracia brasileira. Em nota à imprensa, ele afirmou à época: “O Estado do Paraná repudia os atos terroristas ocorridos ontem (6), em Brasília. Ações desta natureza são inadmissíveis e atentam contra a democracia e o estado de direito. Somos a favor da paz e do respeito. O Paraná se coloca à disposição do Ministério da Justiça para auxiliar no que for preciso e contribuir para a rápida retomada da ordem e da paz na capital federal”.

Já tendo se lançado como pré-candidato do União Brasil à Presidência, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, seguiu metamorfose semelhante após apontar o caráter golpista daquele ato. No dia 8 de janeiro de 2023, resumia assim o que acompanhou: “O que aconteceu hoje em Brasília é a tentativa da barbárie se sobrepor às nossas instituições democráticas. Algo absolutamente inadmissível, inaceitável e condenável sob todos os aspectos”. Dizia, além disso: “Não podem ser considerados patriotas aqueles que atentam contra o estado democrático de direito e se voltam contra sua própria Nação”.

Agora, porém, acha que os que cometeram tal atentado precisam ser soltos, pois as penas estão altas demais.

Tarcísio de Freitas garante ser candidato à reeleição em São Paulo para não melindrar Bolsonaro, que continua se dizendo candidato à Presidência. Mas é apontado como sucessor predileto recorrentemente pelos bolsonaristas que participam de atos como o deste domingo. Foi o único dos governadores a discursar no palco, dizendo: ”Irmãos nossos, brasileiros, perderam a sua liberdade, e por quê? O que fizeram? Será que está correto e que as penas estão razoáveis? Tá errado”. E completando que são “pessoas como nós”, que estavam “conhecendo Brasília” e “vendo o que acontecia”.

Em 8 de janeiro de 2023, Tarcísio era mais crítico, citando a violência e o que chamou de “cerceamento de direitos” representado pelos atos golpistas daquele dia: “Para que o Brasil possa caminhar, o debate deve ser o de ideias e a oposição deve ser responsável, apontando direções. Manifestações perdem a legitimidade e a razão a partir do momento em que há violência, depredação ou cerceamento de direitos. Não admitiremos isso em SP!”, avisava. Admite e defende, agora, a anistia.

Romeu Zema, apontado como nome do Partido Novo ao Palácio do Planalto, é hoje um dos maiores defensores da anistia. A ponto de ter lançado um clipe feito em inteligência artificial pedindo a soltura de todos os condenados e presos pelos atos antidemocráticos.

Em 8 de janeiro também os criticava, embora com menos entusiasmo que os demais: “Em qualquer manifestação deve prevalecer o respeito. É inaceitável o vandalismo ocorrido hoje em Brasília. A liberdade de expressão não pode se misturar com depredação de órgãos públicos. No final, quem pagará seremos todos nós”. A defesa de Zema agora é que, sim, os brasileiros em geral devem pagar, e não os que cometeram os atos como determinou a Justiça.

Do alto do palanque, os governadores que antes se diziam solidários ao estado democrático de direito ouviram debatedores e público gritando contra o Judiciário, falando em “ditadura da toga”, proferindo ofensas contra diversas autoridades, atacando a imprensa com notícias falsas, questionando o resultado das urnas e dizendo que não houve qualquer tentativa de golpe.

No mesmo dia em que a pesquisa Genial/Quaest mostrou que são 56% os brasileiros que defendem que os condenados continuem presos, enquanto só 18% acham que eles nem deveriam ter ser presos e outros 16% que acham que eles estão detidos a tempo demais, eles insistiram na tese de uma “causa” da população brasileira. Não por desconhecimento, mas por um mero cálculo político: estar no palanque é negativo e até incoerente com o que já disseram, mas serem cancelados pela máquina bolsonarista que controla a direita seria fatal para seus destinos políticos

Natural do Rio de Janeiro, é jornalista formado pela Favip. Desde 1990 é repórter do Jornal VANGUARDA, onde atua na editoria de política. Já foi correspondente do Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e Portal Terra.