Injustiça Climática e Racismo Ambiental: Quem Sofre Mais com as Crises Ambientais?

O racismo ambiental é uma realidade que se infiltra nas estruturas sociais e econômicas do Brasil, impactando de forma desproporcional populações vulneráveis. No Nordeste, essa questão assume contornos ainda mais dramáticos. Trata-se de um fenômeno em que comunidades historicamente marginalizadas – especialmente as negras, quilombolas e indígenas – sofrem com a falta de acesso a recursos básicos, infraestrutura precária e impactos ambientais que poderiam ser evitados ou mitigados.

O Nordeste brasileiro é, historicamente, uma das regiões mais afetadas pelas desigualdades estruturais do país. Além dos desafios econômicos, a região enfrenta secas prolongadas e a desertificação de áreas antes produtivas. O problema é que essas dificuldades não afetam todas as populações da mesma forma. Enquanto grandes centros urbanos do Sul e Sudeste recebem investimentos contínuos em saneamento, abastecimento de água e políticas de mitigação climática, comunidades do interior nordestino são frequentemente esquecidas.

A distribuição desigual dos impactos ambientais não é um acidente. Governos e empresas frequentemente tomam decisões que favorecem grupos economicamente privilegiados, enquanto comunidades vulneráveis sofrem com a degradação ambiental. Um exemplo claro é a expansão do agronegócio e a especulação imobiliária, que avançam sobre territórios tradicionais, expulsando populações que vivem da agricultura familiar e destruindo ecossistemas que garantiam sua sobrevivência.
O acesso à água ilustra de forma clara o racismo ambiental. Enquanto megaprojetos hídricos, como a transposição do Rio São Francisco, são amplamente divulgados como soluções para a seca, a realidade é que os benefícios desses projetos não chegam de forma equitativa. Grandes produtores agrícolas conseguem acesso privilegiado à irrigação, enquanto comunidades rurais e quilombolas continuam a depender de carros-pipa ou caminham quilômetros para obter água de baixa qualidade.
Os reservatórios construídos pelo poder público frequentemente abastecem setores industriais e cidades turísticas, enquanto pequenas comunidades continuam marginalizadas. Isso não é apenas um problema de infraestrutura; é uma escolha política que perpetua a desigualdade.

Outro aspecto do racismo ambiental está relacionado à destinação de resíduos e poluentes. Indústrias e usinas frequentemente se instalam em áreas periféricas, onde vivem populações mais pobres. Como resultado, essas comunidades enfrentam níveis alarmantes de contaminação do ar, da água e do solo, o que se reflete em maiores índices de doenças respiratórias e outras enfermidades associadas à exposição a substâncias tóxicas.

Além disso, projetos de energia eólica e solar, embora apresentados como sustentáveis, muitas vezes não consideram os impactos sobre as comunidades locais. Povos tradicionais são expulsos de suas terras sem consulta adequada, e os benefícios desses empreendimentos não são distribuídos de forma justa. O discurso da sustentabilidade, nesse contexto, serve como uma cortina de fumaça para a perpetuação de desigualdades históricas.

Enfrentar o racismo ambiental no Nordeste exige mudanças estruturais. Primeiro, é essencial garantir que políticas públicas sejam formuladas com participação ativa das comunidades afetadas. Projetos de infraestrutura e desenvolvimento devem respeitar o direito à terra e os modos de vida das populações tradicionais.

Além disso, é necessário fortalecer o acesso a recursos básicos, como saneamento, energia limpa e abastecimento de água, de forma equitativa. A justiça ambiental só será alcançada quando políticas de mitigação climática levarem em conta as desigualdades preexistentes e priorizarem aqueles que historicamente foram marginalizados.

O racismo ambiental não é um problema invisível – ele está presente nas decisões políticas, na distribuição de recursos e na forma como o desenvolvimento é conduzido. Para mudar essa realidade, é preciso reconhecer que a luta ambiental também é uma luta social e racial.

Marcelo Rodrigues, é advogado especialista em direito ambiental e urbanístico, consultor técnico em sustentabilidade da Prefeitura Municipal de Caruaru, ex-Secretário de Meio Ambiente do Recife.

Natural do Rio de Janeiro, é jornalista formado pela Favip. Desde 1990 é repórter do Jornal VANGUARDA, onde atua na editoria de política. Já foi correspondente do Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e Portal Terra.