Por Vera Magalhães, colunista do O Globo
Todo o enredo do atentado cometido pelo ex-deputado Roberto Jefferson contra dois agentes da Polícia Federal ao resistir a uma ordem de prisão é absurdo. Mas o envio do ministro da Justiça, Anderson Torres, por Jair Bolsonaro ao Rio de Janeiro para negociar a rendição do condenado é desvio de função de um funcionário público e uso da máquina estatal pelo presidente em favor de um aliado político.
Alguém poderia imaginar ou justificar, por exemplo, se Bolsonaro enviasse o ministro da Justiça à casa de um traficante, como Marcola, por exemplo, que ele adora associar ao ex-presidente Lula, para negociar os termos de sua rendição? Por que é diferente com Jefferson, cujo atentado cometido contra o delegado Marcelo Vilella e a policial Karina Lino Miranda de Oliveira não só é desobediência ao cumprimento de ordem judicial e tentativa de homicídio como guarda características de terrorismo, pela conotação política que o próprio petebista deu à ação, que foi filmada em vídeo e postada nas redes sociais?
O ato de Jefferson, desde o vídeo ignominioso em que ofende a ministra Cármen Lúcia justamente intentando gerar uma ação da Justiça que justificasse seu atentado, é todo ele marcado pelas características de ações similares de terroristas de extrema-direita em outros países do mundo. Desde as características misóginas e de objetificação sexual do alvo do ataque — Cármen foi a única atingida, a despeito de a ação do TSE a que ele se referiu ter sido endossada por vários ministros homens — até o uso de armamento pesado, passando pela defesa enviesada do conceito de liberdade de expressão.
Tudo visa a obter aval da franja mais radicalizada da sociedade e movê-la contra o Judiciário, o principal alvo atual não de Roberto Jefferson, que é apenas um soldado numa guerrilha bem mais pesada, mas do bolsonarismo, que intensificou os ataques à Justiça na penúltima semana de campanha já preparando uma reação exacerbada caso o presidente perca a eleição.
Um dia antes do ato terrorista de Roberto Jefferson, outro desses aliados radicalizados de Bolsonaro, o general Paulo Chagas, escreveu no Twitter que se o general Eduardo Villas Bôas estivesse em condições de saúde faria uma “visita” ao STF como forma de conter as iniciativas do ministro Alexandre de Moraes. O vice-presidente da República e senador eleito pelo Rio Grande do Sul, Hamilton Mourão, havia dado a senha ao dizer que o Senado deve “frear” o ministro.
A radicalização da sociedade a partir de ataques sistemáticos por parte do presidente de turno ao Judiciário e às demais instituições, além da investida pesada em fake news, com uso das redes sociais e de veículos a serviço de uma ideologia foi a receita seguida por Donald Trump e que resultou na sua tentativa de não reconhecer o resultado da eleição e, em seguida, na invasão ao Capitólio por extremistas de direita que resultou em cinco mortes.
As ações duras do TSE e do STF contra esse mecanismo são não apenas necessárias como urgentes. Quando a democracia está sendo minada a partir de partidos políticos e com uso descarado do aparato de Estado — seja na liberação bilionária de recursos à revelia da lei e das âncoras fiscais, seja pelo desvio de autoridades, como o ministro da Justiça, para serem parte do jogo eleitoral — cabe ao Judiciário ser a última contenção. Ainda mais numa situação em que o Ministério Público é omisso e assiste a essa escalada inquietante de violência, desequilíbrio de armas por abuso de poder econômico e político e desinformação em cadeia calado.
Wagner Gil
Natural do Rio de Janeiro, é jornalista formado pela Favip. Desde 1990 é repórter do Jornal VANGUARDA, onde atua na editoria de política. Já foi correspondente do Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e Portal Terra.