Foto: Marcello Casal Jr. / Agência Brasil |
O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, teria em seu poder uma série de mensagens de áudio e de texto trocadas com o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido). A informação foi publicada pelo jornal Valor Econômico nesta sexta-feira.
O material pode ser utilizado como prova documental de eventuais crimes praticados por Bolsonaro durante os quase 14 meses em que Moro ocupou o Ministério.
Nesta manhã, ao anunciar sua saída da pasta, o ex-juiz da Operação Lava Jato fez graves acusações a Jair Bolsonaro. As ações citadas pelo ex-ministro levam a um possível entendimento de que o presidente cometeu crimes de responsabilidade e, também, de crimes comuns.
Possíveis crimes de responsabilidade
De acordo com especialistas ouvidos pelo Estado de Minas, se comprovarem as acusações feitas por Moro, Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade, que podem fundamentar um processo de impeachment.
De acordo com Moro, Bolsonaro propôs a demissão de Maurício Valeixo para colocar na direção da Polícia Federal alguém que poderia dar ao Executivo detalhes das investigações. “Falei para o presidente que seria uma interferência política. Ele disse que seria mesmo”, disse Moro.
Segundo o professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e especialista em direito constitucional, José Alfredo de Oliveira Baracho Junior, a interferência, se comprovada, “seria uma atuação do presidente contra o regular funcionamento das instituições”. “Isso pode configurar crime de responsabilidade”, frisou.
Outro trecho da lei citado por juristas ouvidos pela reportagem trata de “atos que atentem contra a probidade na administração”. Bolsonaro pode ser investigado por supostamente incluir, sem autorização, a assinatura de Moro na exoneração de Valeixo. “Eu não assinei esse decreto”, disse o ex-juiz federal, que queria manter o agora ex-diretor-geral no cargo.
“Tem uma outra declaração grave de Sérgio Moro com relação a isso, que é a de que ele (Bolsonaro) mandou publicar no Diário Oficial da União (DOU) a demissão (de Valeixo) com a assinatura do Moro. E o Moro dá uma declaração pública dizendo que ele não autorizou e não assinou esse documento. É um grave ato de improbidade administrativa”, avaliou o especialista em direito constitucional José Luiz Quadros de Magalhães, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Doutor em Direito Constitucional e professor da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Alexandre Bahia entende que há ainda outros atos de Bolsonaro que podem significar crime contra a probidade administrativa, caso as declarações de Moro se comprovem verdadeiras. Para isso, ele se baseia no artigo 9º da Lei nº 8429/92 (Lei de Improbidade).
“O item 4 fala sobre ‘expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição’, e a Constituição fala de impessoalidade na administração pública. O item 5 fala sobre ‘infringir no provimento dos cargos públicos, as normas legais’, e estamos falando do critério de escolha do diretor da PF. E o item 7 fala sobre ‘proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo’, o que é a quebra de decoro com relação à forma como ele (Bolsonaro) está conduzindo a designação de membros da administração pública”, disse.
Possíveis crimes comuns
Além de crime de responsabilidade, Bolsonaro pode ser paralelamente investigado por crimes comuns, previstos no Código Penal. Nesse caso, o presidente seria julgado pelo Supremo Tribunal Federal, conforme previsão constitucional.
Especialistas citaram pelo menos outras quatro infrações pelas quais o presidente pode ser investigado, caso as declarações de Moro se sustentem com provas: falsidade ideológica, prevaricação, advocacia administrativa e obstrução de justiça.
Investigações por falsidade ideológica dependeriam de comprovação de que Bolsonaro mandou incluir, sem autorização, a assinatura de Moro no ato de exoneração de Valeixo. A pena prevista para esse tipo de caso é reclusão de um a cinco anos e multa.
Segundo o Baracho, porém, o caminho mais provável, com base nas declarações de Moro, é investigar Bolsonaro por prevaricação ou advocacia administrativa. Nos dois tipos de enquadramento, o presidente seria julgado por interferir politicamente nos trabalhos da Polícia Federal.
“A interferência do presidente no sentido de que a investigação tivesse um ou outro curso, aí sim acho que é uma apuração que pode prosperar. Seria advocacia administrativa, prevaricação. O enquadramento criminal depende das provas que você vai apurar. Esse é o ponto, sob a ótica do crime comum, que tem maiores possibilidades de prosperar”, disse.
Se a interferência nas investigações da PF se comprovar, Bolsonaro também poderia ser julgado por obstrução de justiça. A pena prevista nesse caso é de três a oito anos de prisão a “quem impede ou, de alguma forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa