Por Maurício Rands
A história muitas vezes é o relato dos vencedores. Pernambuco perdeu relevância econômica com o advento do ciclo do café e a concorrência do açúcar do Caribe. Em paralelo, a importância de alguns acontecimentos históricos foi sendo diminuída pela historiografia produzida no Sudeste economicamente vencedor. Exemplo dessa tendência é o livro de Lilia Schwarcz (USO) e Heloísa Starling (UFMG) – Brasil, uma Biografia. Quando tratam de eventos históricos da magnitude da Revolução Pernambucana de 1817 ou da Confederação do Equador de 1824, elas tendem a diminuir a sua importância relativa. Episódios de menor significado histórico, como a Inconfidência Mineira, são supervalorizados. A despeito desse revisionismo, é fato que a irreverência e o zelo por sua autonomia tornaram Pernambuco um constante alvo da perseguição imperial. A cada revolução que aqui eclodia, uma parte do seu território era retirada. Isso ocorreu com áreas que hoje pertencem aos estados de Alagoas, Sergipe e Bahia.
Na Constituinte (1986-88), essa questão histórica sobre o território de Pernambuco veio à tona na discussão sobre Fernando de Noronha. Venceu a opção pela devolução do arquipélago ao Estado. A solução ficou materializada no artigo 15 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: “Fica extinto o Território Federal de Fernando de Noronha, sendo sua área reincorporada ao Estado de Pernambuco”. Com base nesse dispositivo, a Constituição Estadual de PE, no art. 4º dispôs que “incluem-se entre os bens do Estado: (…) II – as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, incluídas as do Arquipélago de Fernando de Noronha e excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou de terceiros”. E a Lei Estadual nº 11.304/1995, em seu art. 6º, dispôs que: “são bens do Distrito Estadual de Fernando de Noronha a totalidade da extensão territorial da ilha de Fernando de Noronha e das demais ilhas componentes do Arquipélago de Fernando de Noronha”.
A Advocacia Geral da União acaba de ajuizar perante o STF uma Ação Cível Originária em que pede ao STF, literalmente, que “seja declarada a titularidade dominial da União quanto ao Arquipélago de Fernando de Noronha, nos termos do que prevê o art. 20, incisos IV e VII, da Constituição da República e, consequentemente, seja determinado o integral cumprimento, pelo Estado de Pernambuco, do Contrato de Cessão de Uso em Condições Especiais da Ilha de Fernando de Noronha celebrado com a União em 12 de julho de 2002”. A ação pede, ainda, que “incidentalmente, seja declarada a inconstitucionalidade material do inciso II do art. 4º da Constituição do Estado de Pernambuco, (…) e dos incisos I e II do art. 6º da Lei Estadual nº 11.304/1995 por colidirem com os incisos IV e VII do art. 20 da Constituição Federal”.
Como fundamento, a AGU alega que “o Arquipélago de Fernando de Noronha consiste em bem imóvel da União em razão do que dispõe o art. 20, inciso IV, da Constituição da República e que o art. 15 do ADCT versou tão somente sobre a competência político-administrativa, não outorgado o domínio da respectiva área ao Estado de Pernambuco. Alega ainda que o Estado de PE reconhecera, em 2002, ser da titularidade da União o domínio de Fernando de Noronha por ter celebrado um contrato de cessão de uso, em condições especiais, da parcela dominial do imóvel. E que o Estado de PE estaria incorrendo em irregularidades na utilização de terras públicas federais, danos ao meio ambiente, desrespeito às políticas e legislação de acesso à terra pela população nativa e de baixa renda, em exploração econômica de terrenos da União sem licitação e contraprestação financeira, entre outros.
A questão vai ser decidida pelo STF. Sempre um risco porque seus atuais membros têm tido comportamento errático tanto juridicamente quanto na compreensão do seu papel institucional. Um conflito federativo dessa gravidade histórica, institucional e política seria melhor resolvido se não fosse utilizado como arma em disputa política. Os pernambucanos esperamos que o domínio sobre Fernando de Noronha seja preservado. Mas esperamos também que as irregularidades que ali estão ocorrendo sejam corrigidas.
Maurício Rands, advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford