O homo sapiens tem futuro?

Por Maurício Rands

Os humanos apreendemos a realidade através dos nossos sentidos. Com o uso da razão, construímos a interpretação que atribui significados e relações aos objetos apreendidos. Ou seja, o nosso cérebro organiza a variedade de informações que capturamos na realidade. Essa realidade organizada pelo nosso cérebro é a matéria prima das nossas reflexões. 

Nesse processo, importam muito as informações e conteúdos a que temos acesso. Em tempos de algoritmos, corremos o risco de sermos excessivamente influenciados pelas escolhas de conteúdos feita por outros. Por gente poderosa como Sheryl Sandberg e seu sócio Mark Zuckerberg na Meta-Facebook. Eles que orientam os algoritmos definidores do que vai aparecer em nossas telinhas. Algoritmos programados para acirrar o bate-boca irracional da polarização. Por isso, precisamos estar alertas para não cairmosprisioneiros do que eles direta ou indiretamente determinam. Para que não nos escravizemos nas bolhas que essas plataformas condicionam. 

Para este exercício não pode fazer mal a companhia de pensadores independentes e avessos ao espírito de tribo tão bem denunciado por Mário Vargas Llosa (La llamada de la Tribu, 2019). O historiador escocês Niall Ferguson (Harvard, Oxford, Stanford) é uma dessas boas companhias. É celebrado pelo olhar crítico. Avesso às bolhas. O seu monumental  Civilization (2011)ajudou-me a compreender a nova geopolítica que emergiu do declínio relativo da civilização ocidental e do regresso da China como potência ativa global. 

Agora, ele nos premia com uma análise dos desastres que se abateram sobre a humanidade e as ameaças que pairam sobre o nosso futuro. Em Doom – The Politics of Catastrophe (2021), ele mostra como as catástrofes podem ser agravadas por nossas ações ou inações. Pela gestão incompetente ou pela falta de antecipação e planejamento. 

Diante das diferentes respostas dos países à pandemia da Covid-19, ele analisa como a política afetou o tamanho da tragédia. A maior potência do planeta, não apenas por seu presidente, mas por sua burocracia, foi um fracasso que se expressou no número avassalador de vítimas. Os populistas, em geral, performaram muito mal. Casos de Bolsonaro, Boris Johnson e Trump. Para Ferguson, os desastres tornam-se epocais quando suas ramificações econômicas, sociais e políticas superam o excesso de mortes que eles causam. Concluindo que estamos numa Segunda Guerra Fria, agora entre EUA e China, ele aponta caminhos na esperança de evitar que ela se converta em guerra quente. Diante de um choque, os países e corporações podem (i) colapsar; (ii) sobreviver, embora enfraquecidos; ou (iii) emergirmais fortes. Para ele, diante da pandemia, os EUA podem se situar na categoria (ii), enquanto a China pode emergir na categoria (iii). Por outro lado, os países que tiveram máperformance na crise podem ser impelidos a reformar modelos, atitudes e procedimentos. Para ele, uma “sacudida” na burocracia americana, suas universidades e sua mídia poderiam induzir reformas que as fortaleçam. Quanto às consequências da pandemia para os países pouco desenvolvidos, ele infelizmente acertou ao prever um aumento da fome e da pobreza.

As pandemias são apenas uma das espécies de ameaças que pairam sobre a humanidade. Algumas são exógenas: potenciais flutuações do sol e outras estrelas, buracos-negros na galáxia, impacto de algum asteroide chocando-se com o planeta, terremotos e vulcões. Outras são decorrentes das nossas ações: as tecnologias que inventamos, como a nuclear, a inteligência artificial (IA) que pode se voltar contra nós, as armas biológicas, a engenharia genética, as mudanças climáticas. Ferguson vai além e nos adverte sobre os ricos das tecnologias que permitem uma vigilância global dos cidadãos. Nas plataformas digitais,produzimos diariamente dados que, com uso da IA, podem ser usados contra nós próprios. E isso pode viabilizar totalitarismos que nos podem destruir.

Como esse estudo das catástrofes nos mostra, seus efeitos dependem da capacidade das sociedades de com elas lidar. A história tem continuidades e descontinuidades. Nem sempre o exame do passado permite prever o futuro. Pode haver acidentes como os cogitados ou outros que nem imaginamos. Mas o estudo dessas possibilidades pode nos ajudar a prevenir pelo menos os que são evitáveis. Para que o “homo sapiens”, que já causou a destruição de tantas espécies animais e vegetais, não acabe por se destruir por suas próprias criações. 

 Maurício Rands, advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford

Natural do Rio de Janeiro, é jornalista formado pela Favip. Desde 1990 é repórter do Jornal VANGUARDA, onde atua na editoria de política. Já foi correspondente do Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e Portal Terra.

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