Os paradigmas do direito do trabalho estão sendo redefinidos. Pelo poder legislativo, com a reforma trabalhista da Lei13.467/2017. Mas também pelo STF através de decisões com repercussão geral que produzem efeitos vinculantes para as demais instâncias. Esse protagonismo do STF em matérias trabalhistas é sem precedentes.
A reforma trabalhista enfraqueceu os sindicatos de trabalhadores ao extinguir a contribuição sindical obrigatória sem nada colocar em seu lugar. E sem fixar um período de transição. Além disso, permitiu que os sindicatos fossem contornados pela comissão de representação eleita nas empresas com mais de 200 empregados ao facultar-lhe o entendimento direto em várias matérias (CLT, art. 510-A). E, em alguns outros preceitos, flexibilizou direitos ao remeter sua disciplina para a negociação direta individual, onde o trabalhador tem menos poder de barganha. Que o nosso sistema de relações de trabalho precisa de reformas quase ninguém disputa. As divergências surgem quanto ao que se deve modificar. Os dois grandes campos, o do capital e o do trabalho, têm seus interesses e suas propostas. A legislação e as instituições estatais, como a Justiça do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho e o Ministério do Trabalho, têm a função de tentar equilibrar essas relações.
Para adaptar o direito do trabalho às novas relações de trabalho, a reforma visou ampliar o espaço para o exercício da autonomia das partes. Ocorre que a autonomia privada pode ser de duas ordens: individual ou coletiva. A lei 13.467/17 priorizou a autonomia individual. Onde o trabalhador tem menor poder de barganha. Deixou de fortalecer a negociação coletiva quando eliminou uma das principais fontes da receita dos sindicatos. O gênero receita sindical era formado por quatro espécies: i) mensalidade associativa (a dos sócios); ii) contribuição sindical (antigo imposto sindical), contribuição confederativa; e iv) contribuição assistencial. Privados da sua maior fonte de receita, os sindicatos trataram de se adaptar. Passaram a fazer maior uso da contribuição assistencial, que é aprovada em assembleia geral para ajudar nos custos de preparação, mobilização e desenvolvimento da negociação coletiva. Como os associados e os não associados se beneficiam do acordo ou convenção coletiva, os descontos são suportados por todos os membros da categoria, garantido o direito de oposição.
Naquela conjuntura da reforma trabalhista, prevaleciam as propostas que visavam contornar o sujeito coletivo sindical. Ou, ao menos, enfraquecê-lo. Cômoda e espertamente. O negociado passando a ser o conteúdo de um ajuste entre desiguais. Sem o contraponto de um sindicato viável e capaz de atenuar a desigualdade de poder de barganha. A resiliência dos sindicatos, todavia, impediu que esses desígnios se efetivassem inteiramente. O STF a princípio tratou de inviabilizar a alternativa dos sindicatos à extinção da contribuição sindical obrigatória – a contribuição assistencial. Chegou a anunciar a tese de que “É inconstitucional a instituição, por acordo, convenção coletiva ou sentença normativa, de contribuições que se imponham compulsoriamente a empregados da categoria não sindicalizados” (STF, Pleno, RG-ARE 1.018.459/PR, relator: ministro Gilmar Mendes, DJe 10.03.2017). Seis anos depois, retificou o erro, cedendo à crítica da doutrina. No mesmo processo, após voto-vista do ministro Barroso e dos votos de outros ministros, o relator Gilmar Mendes acolheu embargos de declaração para admitir a cobrança da contribuição assistencial, inclusive dos trabalhadores não associados. Ali foi anunciada a tese do Tema 935 da Repercussão Geral: “É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição”. A sessão virtual que vai concluir este processo termina no dia 11/9/23, mas já no dia 1º/9 formou-se maioria por seis votos a favor da tese. Essa correta decisão do STF garante o alicerce para que a negociação coletiva avance a partir de um sindicato viável. Mas, como o tribunal já oscilou tanto sobre o tema, seria oportuna uma legislação aprovada pelo Congresso Nacional para maior segurança jurídica do sistema.
Essa adequação do STF sobre o tema da receita sindical é exemplo de limites que podem ser impostos pela doutrina à discricionariedade dos seus julgados. Uma doutrina que deve ser produzida pela academia. Mas também pelos organismos da sociedade civil. Nessa semana que passou, vimos um exemplo vivo de desenvolvimento dessa doutrina. Quando, no IV Congresso da Advocacia Trabalhista de PE, promovido pela Associação de Advogados Trabalhistas e pela Comissão de Direito do Trabalho da OAB/PE, o tema do equilíbrio das relações de trabalho foi amplamente discutido. E, claro, a postura do STF foi analisada de modo crítico e construtivo.
Maurício Rands, advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford