Por Maurício Rands
Steve Bannon, guru da comunicação de Donald Trump, foi dos primeiros a instrumentalizar as narrativas para o marketing político. A manipulação de bolhas a partir de “insights” sobre suas preferências, preconceitos e ressentimentos. O que importa é a narrativa que cria realidades alternativas. Que nega os dados empíricos e o conhecimento até aqui acumulado. Ainda que saibamos que o conhecimento é um processo dinâmico, sempre em construção, que amanhã pode ser superado. Mas, para os negacionistas da alt-right, não é disso que se trata. Eles não dialogam com o princípio da falseabilidade, formulado por Karl Popper.
Aos negacionistas não importam as questões epistemológicas. Nem o avanço da ciência. Seus fins são mais práticos e prosaicos. Querem apenas impor seus mitos e preconceitos. Esses os puros ou ingênuos. Porque gente como Bannon e Trump pratica o negacionismo com objetivos de poder político e riqueza. Triste que foram macaqueados aqui no Brasil. Onde se repetiram as mesmas fórmulas negacionistas manipuladores da ignorância, do ressentimento e do ódio contra instituições que nunca chegaram a ofertar os serviços de que necessita a grande maioria excluída. Que, por isso, estava disponível para esse tipo de discurso. Algo facilitado pela corrupção que não deixou de ser praticada nos governos de esquerda que haviam sido eleitos sob a esperança de que fosse estancada. Discurso que também foi facilitado pela recusa do PT e aliados de pedirem desculpas pela corrupção em casos como o da Petrobrás. Deu no que deu. Entre 2019 e 2022, o país retrocedeu em quatro anos de má gestão. E de incentivo à violência e ao preconceito. Contra os vulneráveis de sempre, os negros, os indígenas, as mulheres, os gays, os defensores dos direitos humanos. Cá como lá.
Os atos golpistas do 8 de janeiro também não foram originais. A invasão do Capitólio foi inspirada por Trump. Aqui, tudo indica, não deixou de também ser inspirada pelo líder maior da extrema direita que sempre sonhou com uma nova ditadura. Tivesse aquele “domingo da infâmia”, caído no dia 06 de janeiro, dois dias antes, as duas tentativas de golpe seriam semelhantes até na data. A punição exemplar dos golpistas servirá de dissuasão a futuras tentativas similares. Trata-se de gente tosca, mas não louca. Executores, financiadores e inspiradores bem sabiam o que queriam. Criar o caos e a ingovernabilidade para forçar o Alto Comando das FFAA a consumar o golpe e sanear o caos. Haveria intervenção no TSE (ou a famosa minuta caiu do céu?) e a consequente anulação das eleições presidenciais. Os acampamentos nos quartéis serviram como incubadoras dos semeadores do caos. Foi dali que partiram os que plantaram a bomba no caminhão em frente ao aeroporto de Brasília. E também foi dali que saíram para sua tosca “tomada da bastilha”, a invasão da sede dos três poderes. A fórmula era simplória. Querer absolvê-los dessa tentativa de golpe seria o mesmo que absolver um assassino que tentou matar alguém mas falhou ao atirar por ser inepto.
Para a defesa do estado democrático de direito, importa, sim, a mão firme das instituições. O desafio será o de não limitar a punição aos executores. Os inspiradores e financiadores devem ser igualmente punidos. Se houver provas, a punição deve chegar àquele que, do alto das suas responsabilidades, passou quatro anos investindo contra as instituições. E que, em modo conflito permanente, sempre inspirou a violência e pregou a ditadura, inclusive elogiando torturadores como os coronéis Brilhante Ustra e Erasmo Dias.
Sobre os julgamentos dos primeiros réus chegou-se a dizer que as punições de 17 e 14 anos teriam sido mais pesadas do que as dos EUA. Não é bem assim. Lá as penas variam mais porque os processos são julgados na 1ª instância com júri popular. Mas já foram aplicadas punições nesse mesmo patamar. Como são exemplos os 22 anos imputados a Enrique Tarrio, os 17 anos a Joseph Biggs e os 15 anos a Zachary Rehl, líderes do grupo extremista Proud Boys.
Na sessão do dia 14/09, viu-se mais uma nota do negacionismo que imperou nos últimos quatro anos. Os dois ministros do STF indicados pelo ex-presidente comportaram-se como se lhe devessem obediência. Desconsideraram as provas que convenceram seus pares de que os réus cometeram os crimes de tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito (art. 359-L) e tentativa de golpe de estado (art. 359-M), ambos do Código Penal. Enxergaram apenas os crimes de dano qualificado (art. 163, parágrafo único, do CP, e deterioração do patrimônio tombado (art. 62, I, da Lei 9.605/98). Em seu voto, André Mendonça chegou a insinuar que o novo governo seria o responsável pela invasão do Palácio do Planalto. Levou à cadeira de ministro do STF a versão negacionista da realidade paralela dos bolsonaristas para alimentá-la nas redes sociais. As táticas de Steve Bannon chegaram às barras do mais alto tribunal do país. Neste caso, não para serem punidas. Mas para serem alavancadas pela aparência de credibilidade que a fala de um ministro do STF deveria comandar.
Maurício Rands, advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford