Por Elba Ravane
Em 13 de 1990 foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Os fatos ocorridos nos últimos dias com linchamentos humanos e um clamor popular manipulado por setores sociais altamente organizados que reivindicam a punição de adolescentes, nos remete a uma tradição babilônica de legislar, onde, as pessoas não eram iguais perante a lei, onde sentenças eram estipuladas de acordo com a camada social.
A reivindicação da redução da maioridade penal nada mais é que a substituição no Brasil do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Estatuto da Juventude pelo Código de Hamurabi que baseado na antiga “lei de talião” seguia a premissa do castigo “olho por olho, dente por dente”.
Não podemos incorrer no erro de assumirmos posturas de justiceir@ sociais e antes de estufarmos o peito para defender uma proposta como a única solução possível, colocando toda a responsabilidade da violência nas mãos dos/as adolescente que insistimos em chamar de menores como se fossem cidadãos de “menor” categoria social, vamos refletir, nos colocar na posição não de vítimas da violência, mas, de protagonistas sociais capazes de transformar realidades e consolidar direitos. Como protagonistas sociais como estamos nos comportando diante das violações de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes?
O artigo 227 da Constituição estabelece que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Na busca da materialização desses deveres o Art. 4º do ECA reafirma tais direitos e completa no Parágrafo único. “A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.”
Sem cumprir com deveres queremos acabar com os Direitos, basta refletirmos que não estamos garantindo aos adolescentes o direito mais fundamental, o direito à vida, o que comprovam nossa irresponsabilidade em cumprir o ECA.
De acordo com Mapa da Violência 2013 entre 1980 e 2011 houve aumento que chega a 326,1% no número de homicídios de jovens. Em 2011 63,4%, de um total de 46.920 óbitos foram de jovens. Já o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) indica que apenas cerca de 1% dos homicídios registrados no país é cometido por adolescentes entre 16 e 17 anos. Assim, antes de apontar o dedo para adolescentes e fazer a acusação que eles/as são violadores do direito à vida, vamos assumir, que é a sociedade e muitas vezes as instituições estatais que tem violado o Direito à Vida dos/as adolescentes e jovens brasileiros, na maioria, negros e pobres. Imaginem a que conclusão chegaremos se formos analisar nossa postura diante do cumprimento dos demais direito: à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
É tempo de reafirmar e efetivar direitos, é tempo de ouvir os/as adolescentes é tempo de tomar decisões com base na realidade social e em dados, é tempo de combater causas e não efeitos.
Elba Ravane é Mestra em Direitos Humanos pela UFPE, advogada, pós-graduada em Segurança Pública e Cidadania pela ASCES. Pesquisadora nas áreas de Violência, Feminismo, Políticas Públicas e Direitos Humanos.