Por Maurício Rands*
Há um empuxe pelo lançamento de candidaturas no campo da 3ª via. Na prévia do PSDB pode ganhar João Doria ou Eduardo Leite. Em qualquer desses casos, como imaginar que o vencedor deixaria de concorrer à presidência? Doria voltaria a disputar ao governo estadual apesar de mal avaliado em SP? E Leite abriria mão de se tornar conhecido nacionalmente? Alguém aposta na retirada da candidatura de Ciro? É razoável afirmar que candidaturas como as de Simone Tebet, Rodrigo Pacheco ou Mandetta vão ser necessariamente retiradas?
Por isso, não há muita gente acreditando que essas candidaturas possam se aglutinar em uma única. Nem que uma delas possa ultrapassar Bolsonaro no 1º turno. Mesmo com os desgastes do fracasso de seu governo. Que, ao completar 1.000 dias, registrou a marca de três crises por mês e hoje ostenta o recorde de rejeição de 53% de avaliação ruim e péssima no Datafolha e no Ipec.
Pulverizados, esses candidatos à 3ª via concorrem entre si na expectativa de ultrapassar Bolsonaro. Cada um busca convencer o eleitorado antipetista que tem maiores chances de derrotar Lula. Até Ciro, ao concentrar ataques no petista, sonha em atrair votos à direita. Ademais, com a proibição de coligações para chapas de deputados, os partidos têm um incentivo adicional a lançar candidatos presidenciais que alavanquem os votos em seus deputados. De olho na futura repartição do fundo eleitoral que mantém os privilégios e o poder de mando das burocracias partidárias. Tudo isso desmonta o potencial para construir as pontes entre as forças que não querem Bolsonaro nem Lula.
O presidente já perdeu a maior parte dos 57.797.847 (55,13%) de votos que teve no 2º turno de 2018. Também já perdeu muitos dos 15.306.023 (67,97%) de votos que teve em São Paulo, um estado que lhe garantiu uma vantagem de 8.093.891 de votos sobre Haddad. Ou de 35,94%. Mas, apesar de enfraquecido, Bolsonaro ainda mantém a adesão de um núcleo duro de eleitores. Que cultiva com suas declarações estapafúrdias para desviar atenções que poderiam ser capturadas por outros candidatos. Como mostra a sua aprovação de 25%. Assim como sua capacidade de mobilização que provou no 7 de setembro. Além da sua determinação de estourar o orçamento para implantar um auxílio-bolsa-família turbinado ao longo de 2022.
Esses incentivos à dispersão impedem a emergência de uma 3ª via capaz de passar ao 2º turno porque os seus candidatos não abrem mão de suas candidaturas. Ao mesmo tempo, implodem a possibilidade de uma ampla aliança contra Bolsonaro porque eliminam, de plano, a hipótese de alinhamento de todo o espectro antibolsonarista em torno do candidato que inegavelmente goza de mais popularidade. Como atestam todas as pesquisas.
Daí se segue que vai se impondo o cenário de Lula e Bolsonaro no 2º turno. Movimentos recentes reforçam a tendência. Quando Temer intermedeia uma trégua na escalada de ódio entre Bolsonaro e Alexandre Moraes, na prática, estabiliza o presidente. Porque torna ainda mais improvável o impeachment. E, de quebra, auxilia a candidatura de Lula, que sabe ter maiores chances caso enfrente o presidente no 2º turno. O problema dessa dispersão é que ela é feita com ataques que dificultam o diálogo para o 2º turno entre as forças antibolsonaristas. Um diálogo que será ainda mais necessário na tarefa de pacificação para a governabilidade do presidente que suceder a devastação bolsonarista. Sobretudo porque, mesmo derrotado, o populismo bolsonarista de extrema-direita deve continuar vivo. Muita gente que pensava como Bolsonaro saiu do armário e a ele não deve voltar tão cedo. As raízes dos ressentimentos que geraram esse tipo de populismo continuam a alimentá-lo. Sejam os algoritmos das Big Tech que só pensam em aumentar audiência com o grotesco, hiper-emotivo ou fake. Ou pelo impulsionamento de robôs. Sejam as atitudes de algumas elites intelectuais que, apesar da correta defesa de pautas identitárias e emancipatórias, resvalam para atitudes fundamentalistas que pecam pelo pouco caso com a liberdade de expressão de pensamento diverso. E que acabam por ameaçar a própria diversidade que reivindicam. E, assim, enveredam por um progressismo iliberal alimentador de ressentimentos.
*Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford