Potencialidades e ameaças da inteligência artificial

Por Maurício Rands

Um recente manifesto de 350 cientistas e dirigentes de empresas, entre eles Sam Altman (OpenAI), Demis Hassabis (Google DeepMind), Geoffrey Hinton e Yoshua Bengio (Prêmio Alan Turing, tido como um Nobel da tecnologia), faz um alerta sobre o que significam os últimos avanços da inteligência artificial (AI). O manifesto argumenta que “debelar o risco de extinção representado pela IA deve ser uma prioridade global ao lado de outros riscos como pandemias e guerra nuclear”. Seus autores defendem alguma regulação ou, no mínimo, a autorregulação. Alguns, chegam a pedir uma moratória aos desenvolvedores de IA. Como toda a vida e a produção humanas baseiam-se na linguagem, é lógico que estamos diante de uma revolução. Pela primeira vez, a linguagem está sendo criada por máquinas. Por isso, os riscos vão além da gradual substituição de humanos. Grandes contingentes vão perder relevância e serão afastados do mercado de trabalho. Escanteados. Poderemos ter sociedades ainda mais divididas. Com muitos excluídos da vida digital. E, portanto, do mercado de trabalho, da ciência, da informação e das artes.

A IA alimenta-se do que está na internet. Onde abunda a desinformação que é potencializada pela organização dos algoritmos que mentem e discriminam para capturar a audiência. Seus modelos de linguagem, a IA gera-os a partir do que ela colhe no mundo digital. E aí surge a pergunta: como um chatbot de IA vai distinguir o que é fake news do que é realidade objetiva? Diante de uma tecnologia tão disruptiva, muitos se apressam com vaticínios apocalípticos. Como os feitos pelo manifesto sobre uma ameaça de extinção gradual da civilização. Alguns, como Eugenio Bucci (O Estado de São Paulo, 3/6/2023) chegam a acreditar nessa hipótese de extinção por IA.

Porém, como em outras ameaças, pode não ser ingenuidade supor que a humanidade tem condições de prevenir os desastres anunciados. As ferramentas de IA, pelo menos no horizonte próximo, ainda não têm certos atributos que permanecem próprios aos seres humanos. Como observa Pedro Dória (O Globo, 3/6/23), os softwares de IA produzem textos, imagens e sons a partir de “padrões de informação que nós mesmos geramos”. Ainda não exibem capacidade cognitiva autônoma. A IA é prodigiosa. Mas ainda é destituída do sentimento, que é específico aos humanos. Não tem a criatividade, a originalidade e a capacidade de contextualizar. Nem de produzir os valores que cada um de nós adotamos no exercício do nosso livre-arbítrio. Dia desses coloquei no prompt do Chat Gpt4 dois versos de Moisés Sesyon, poeta popular do Açu-RN, e desafiei-o a fazer a glosa. O que retornou foi uma vergonha que faria rir de desprezo nossos poetas do Açu ou do Pajeú. 

Mas não se podem afastar as ameaças que decorrem da expansão da IA. Elas inscrevem-se entre os problemas planetários como o aquecimento global, a destruição nuclear, a desigualdade e a exclusão. Trata-se de desafio a ser enfrentado com eficiência e planejamento. Que exige coordenação democrática e uma educação de qualidade e mais equitativa para todos. De modo a que todos os cidadãos, beneficiados pelo acesso a uma educação digital inclusiva, possam participar dos processos decisórios. Tarefas que só a democracia pode cuidar plenamente. Que não se podem deixar apenas aos poderosos controladores das Big Techs. Nem sequer a uns poucos ministros das cortes supremas. Necessário ouvir todos os setores das sociedades. Uma regulação da inteligência artificial deve combinar o incentivo ao desenvolvimento tecnológico e à liberdade de expressão com a possibilidade de que a sociedade escolha os valores éticos a serem preservados e estimulados. Entre eles, a inclusão de todos na fruição dos benefícios das inovações. E, não menos importante, a preservação da vida no planeta. Humana, como também de outras espécies animais e vegetais.  Os parlamentos já começaram a tarefa, como os da Austrália e o Europeu. Este último está propondo um código de autorregulação aos provedores de redes sociais e serviços de mensageria. Um dia, quem sabe, o planeta poderá contar com regulação global, aprovada a partir de tratados que brotem da experiência das legislações inicialmente aprovadas pelos parlamentos nacionais. O manifesto dos cientistas e desenvolvedores de IA talvez possa ser visto nesta perspectiva. A de que o assunto já se tornou grave e estratégico demais para ser deixado apenas à pequena comunidade das Big Techs, de

cientistas e de desenvolvedores dos novos sistemas de IA.

Maurício Rands, advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford

Natural do Rio de Janeiro, é jornalista formado pela Favip. Desde 1990 é repórter do Jornal VANGUARDA, onde atua na editoria de política. Já foi correspondente do Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e Portal Terra.

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