O presidente em exercício e primeiro vice-presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), desembargador Cândido Saraiva, indeferiu, na noite dessa sexta-feira (27/7), pedido formulado pelo Estado de Pernambuco e manteve a decisão proferida pelo desembargador Sílvio Neves Baptista Filho com relação à reinclusão da peça teatral “O evangelho segundo Jesus, rainha do céu” na programação do Festival de Inverno de Garanhuns FIG 2018: um viva à liberdade. Dentre outros pontos, o magistrado se baseia no inciso 9º do artigo 5º da Constituição Federal, que versa sobre a “liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” na apreciação da suspensão de liminar ou antecipação de tutela de número 00032628020188170000 que tem como parte requerida o Ministério Público (MPPE). Confira a decisão integralmente no arquivo anexo.
“Mesmo discordando do conteúdo desta obra ficcional, que pode ofender sentimentos de religiosidade dos mais ortodoxos, não vislumbro possível proibir a encenação programada, porque o Estado é laico, e nossa Constituição, no artigo quinto inciso nono, assegura a plena liberdade da expressão artística e intelectual, independente de censura ou licença. Ao se submeter às fortes pressões de correntes conservadoras locais para proibir a encenação da peça, o Estado está censurando a liberdade de expressão que é assegurada pela Constituição”, declara o desembargador Cândido Saraiva.
Na decisão publicada no Diário de Justiça eletrônico e disponível na consulta processual de segundo grau no site do TJPE às 19h23 da sexta (27/7), o desembargador Cândido Saraiva cita entendimentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. “Com efeito, o cumprimento da Constituição da República impõe, em sua base mesma, pleno respeito aos direitos humanos, contrariados pelo racismo, pelo preconceito, pela intolerância, dentre outras práticas inaceitáveis numa democracia e firmemente adversas ao sistema jurídico vigente”, detalha.
“A prevalecer o entendimento da decisão agravada (primeiro grau), os expoentes da nossa cultura não teriam liberdade de criar as suas obras para que o público pudesse deleitá-las, estando sujeitos à vedada e prévia censura estatal, ainda que por meio indireto, eis que retirada igualdade de tratamento na oferta do espetáculo ao público, por meio do cancelamento de qualquer tipo de subvenção, inclusive econômica. Tal posicionamento colide frontalmente com os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e fere os contornos universais do direito à liberdade de expressão”, afirma o magistrado.
No documento, o desembargador Cândido Saraiva também versa sobre a excepcionalidade da suspensão de liminar. “O pedido de suspensão dos efeitos de liminar ou antecipação e tutela constitui medida excepcional, só se justificando quando, comprovadamente, houver risco de grave lesão à ordem, à saúde, à economia, à segurança e à saúde públicas. (…) Destarte, a concessão de suspensão de liminar está revestida de elevado grau de excepcionalidade, sendo certo que o demandante (Estado de Pernambuco) não conseguiu demonstrar o caráter excepcional da situação em tela apta a justificar a utilização deste instrumento processual atípico”, expõe o magistrado ao também entender como irretocável a decisão proferida pelo desembargador Sílvio Neves Baptista Filho.
Com base nas informações processuais, o desembargador Cândido Saraiva entende que o exame processual também trata de convite da Administração devidamente aceito pela produção da peça teatral. “Havendo a divulgação do calendário e das suas atrações, pressupõe-se que esse ato administrativo atendeu aos princípios do interesse público e da impessoalidade, porquanto, tal peça se mostrou adequada à proposta do festival, cujo lema é “Um viva à liberdade!”. ‘A atração nada mais é do que um drama teatral, que busca conscientizar e estimular a reflexão sobre a discriminação social de uma minoria, especialmente das transexuais e travestis. (…) A exclusão da apresentação prévia e regularmente selecionada pela curadoria responsável por aprovar a programação do festival demonstra um comportamento contraditório da administração vedado pelo ordenamento jurídico, máxime porque se anteriormente a peça já havia sido incluída na programação do FIG 2018 por atender aos critérios estabelecidos no edital, não poderia o Poder Público, de forma contraditória, sem justa motivação, excluí-la das festividades’”, reiterou o magistrado.
A respeito da aplicação do artigo 49 da Lei Geral de Licitações (Lei 8.666/1993), presente na justificativa da Administração Pública, o desembargador Cândido Saraiva não vê aplicação para o caso. “A revogação do ato administrativo se pautaria por razões de interesse público, por fato superveniente e devidamente comprovado. Verifica-se, no entanto, que tal não é o caso dos autos: inexistiu motivação idônea para o cancelamento do convite e tampouco houve fato superveniente apto a justificar tal conduta. Some-se a isso o fato de que não se trata de licitação propriamente dita, o que reforça o afastamento do referido dispositivo legal”, declara, na decisão, o desembargador Cândido.