Revista Veja
A governadora eleita de Pernambuco, Raquel Lyra, 43 anos, tornou-se expoente de uma nova geração de políticos ao virar um jogo que parecia perdido e derrotar Marília Arraes (Solidariedade), apoiada por Lula e integrante do clã que controla a política do estado.
Duas vezes prefeita de Caruaru e duas vezes deputada estadual, assessora do ex-governador Eduardo Campos (PSB) e filha de seu vice, João Lyra Neto, Raquel tem o desafio de ajudar a reerguer seu agora raquítico partido, o PSDB – o que, na sua visão, vai requerer uma boa dose de autocrítica.
No dia em que avançou para o segundo turno, ela enfrentou um dos momentos mais dolorosos da vida quando o marido, Fernando Lucena, morreu subitamente, vítima de um infarto. Mãe de dois meninos, de 10 e 12 anos, Raquel falou sobre o luto, a força das mulheres na política e a dura missão de unir o país nesta entrevista concedida minutos antes da missa de um mês da morte de Lucena.
A senhora estava atrás na corrida pelo governo, até que virou o jogo no segundo turno e venceu Marília Arraes. O que aconteceu?
A política tradicional de Pernambuco, encabeçada pelo PSB, imaginava que os arranjos em torno de estrutura partidária, dos grupos políticos e o apoio de Lula iriam definir o páreo. Não funcionou. Nos últimos dezesseis anos, o PSB fez todo tipo de conchavo e foi se encastelando dentro do palácio. Obteve importantes vitórias, mas a ausência de Eduardo Campos, morto em plena campanha presidencial de 2014, fez o estado andar para trás sob a gestão do atual governador, Paulo Câmara. O projeto deles virou o poder pelo poder.
A senhora era do mesmo PSB. Por que rompeu com o grupo?
Trabalhei com Eduardo Campos já governador por quatro anos, como chefe da assessoria jurídica, e aprendi muito. Um dia, ele me falou: “Já fui o deputado mais e menos votado de Pernambuco. Quando estava no topo, me cobravam além da conta e passei pelo mais duro momento da minha vida, enquanto em minha pior eleição acabei virando ministro de Lula e me projetei para a Presidência”. A vida política é cheia de altos e baixos e imprevistos, ele dizia. O que não aguentei foram as costuras de Paulo Câmara e, por isso, deixei o partido em 2006.
A senhora se manteve neutra no segundo turno presidencial, mesmo com Simone Tebet (MDB), a quem apoiou no primeiro turno, subindo no palanque de Lula. Por quê?
Não quis me posicionar para não cair na armadilha da polarização. Compreendo que é hora de construir pontes. Minha adversária tentou como pôde nacionalizar a campanha, fugindo do debate e tentando colar em mim a imagem de bolsonarista, o que eu não sou. Assim como não sou lulista. Recebi o apoio de pessoas de ambos os lados da disputa nacional. É vital unir e pacificar o país, que sai das urnas rachado ao meio.
Como a senhora pretende se relacionar com o futuro presidente, dado que seu partido, o PSDB, ainda não decidiu como vai se posicionar?
Vou pegar a carteira de projetos de Pernambuco e bater à porta do presidente. Até já procurei o Geraldo Alckmin, com quem tenho relação antiga de confiança. Trabalhei na elaboração do plano de governo dele quando se candidatou à Presidência, em 2018.
E como foi essa conversa?
Falamos no telefone, e ele se colocou à disposição para ajudar. Achei positiva sua nomeação para coordenar o governo de transição. Alckmin já foi governador, sabe dos desafios, e a gente se dá bem. Ele sempre demonstrou simpatia à minha candidatura ao governo.
A senhora defende uma relação mais próxima do PSDB com o PT?
O que é certo agora é que buscaremos uma boa relação institucional com o presidente. Do ponto de vista dos estados, essa aproximação é crucial para que o governo federal se faça presente. Não haverá boicote nem falta de diálogo. Estar do mesmo lado de quem comanda o Planalto, aliás, não é sinônimo de mais verbas. O governador Paulo Câmara passou por três presidentes – Dilma, Temer e Bolsonaro – e Pernambuco conseguiu perder recursos para estados em que os mandatários eram seus adversários. No lugar de nos enredar na polarização, temos, isso sim, o dever de enfrentar a desigualdade. A região metropolitana do Recife é a número 1 no país em pessoas abaixo da linha da pobreza.
Seu discurso guarda semelhanças com os da esquerda. O que, afinal, a diferencia desse espectro?
A diferença é que essas promessas precisam acontecer no mundo real. E isso só será possível expurgando a burocracia e se desfazendo de preconceitos em torno de temas que são tabus para eles.
A senhora daria um exemplo do que chama de preconceito?
Boa parte da campanha para o governo de Pernambuco se deu em torno da companhia estatal de saneamento. Eu disse que trabalharia para fazer uma concessão, como já ocorreu em Alagoas e no Rio de Janeiro. Minha adversária, por sua vez, ficava só me acusando de querer privatizar a empresa, sem esclarecer como faria para garantir água à população. Não existem soluções simples para problemas complexos. Há que se analisar um leque de alternativas.
O que explica a perda de relevância do PSDB, que pela primeira vez desde 1989 ficou de fora do páreo para presidente e minguou no Congresso?
O PSDB que nos trouxe até aqui, que elegeu FHC duas vezes e polarizou com o PT nas eleições presidenciais já não existe mais. Na minha avaliação, o partido se afastou da realidade e da vida das pessoas. É necessário, portanto, olhar para dentro, fazer uma séria autocrítica e pôr essas questões na mesa, sem individualismos, mirando o futuro. O PSDB precisa ser reconstruído.
E por onde começar?
Temos uma reunião prevista para quarta-feira 9, em que as lideranças se encontrarão justamente para discutir o reposicionamento do partido. Devemos começar do chão, desenhando, com independência, projetos para municípios, estados e o país.
Há clima para manter uma relação civilizada com o prefeito do Recife, João Campos, do PSB?
É o que espero. Se não tivermos acapacidade de sufocar projetos pessoais temporários para construirconvergências, não sairemos do lugar.
De onde vem extraindo forças para a maratona da política?
Meus filhos, de 10 e 12 anos, não saem de perto de mim. Um teve uma crise de apendicite, o outro, uma virose gigante depois de perderem o pai. Eu tenho um objetivo, um propósito, e isso me deixa de pé. Penso em meu marido no presente e não no pretérito, sempre me perguntando o que diria se estivesse aqui, agora que sou governadora.
E o que acha que ele diria?
Que vai dar tudo certo.
Wagner Gil
Natural do Rio de Janeiro, é jornalista formado pela Favip. Desde 1990 é repórter do Jornal VANGUARDA, onde atua na editoria de política. Já foi correspondente do Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e Portal Terra.