Por Marcelo Rodrigues
Todo mundo fala em salvar o planeta como se fosse uma missão de filme de herói — algo que exige superpoderes, tecnologias alienígenas ou discursos épicos em conferências com nomes em inglês. Mas e se a verdadeira revolução climática estiver escondida no seu lixo?
A conversa sobre economia de baixo carbono anda meio presa num looping: todo mundo concorda que é urgente, mas ninguém sabe direito por onde começar. Enquanto isso, soluções óbvias — e surpreendentemente simples — ficam mofando de canto, como aquela garrafa PET esquecida no fundo do armário. A reciclagem é uma delas. Sim, aquela mesma que sua avó já praticava antes de “sustentabilidade” virar hashtag.
Não se engane: reciclar não é só separar latinha e papelão. É reprogramar a maneira como enxergamos o “lixo”. Cada embalagem que vira matéria-prima de novo é um ato de rebeldia contra a lógica do “extrair, produzir, descartar” — aquela que nos enfiou na crise climática. Quando reciclamos, cortamos emissões de carbono como quem apaga velas de um bolo: uma a uma. Produzir alumínio a partir de latinhas velhas, por exemplo, consome 95% menos energia do que começar do zero. É matemática simples: menos energia gasta = menos CO2 solto no ar.
Mas por que, então, a reciclagem ainda é tratada como coadjuvante nos debates globais? Talvez porque não dê ibope falar de algo tão… mundano. Enquanto brilham em painéis sobre hidrogênio verde ou captura de carbono, catadores de materiais recicláveis seguem sendo os verdadeiros agentes climáticos das cidades — sem microfones, sem patrocínios, sem holofotes.
O pulo do gato está em entender que reciclagem não é só gestão de resíduos: é política energética, é proteção de biodiversidade (menos mineração, menos desmatamento), é emprego, é educação. Países como a Alemanha, que reciclam 67% de seus resíduos, não chegaram lá por sorte: viraram o jogo com leis que obrigam indústrias a repensarem embalagens e cidadãos a separarem orgânico de reciclável como quem escova os dentes — sem drama, só hábito.
Claro que não basta colocar uma lixeira colorida na calçada e achar que tá resolvido. Precisamos de investimento em cooperativas, logística reversa que funcione de verdade e — atenção aqui — parar de fingir que plástico “biodegradável” é solução mágica. A mudança climática pede menos discursos e mais ação no estilo faça-você-mesmo, mas em escala global.
No fim, a economia de baixo carbono não vai nascer de um tratado diplomático ou de um tweet viral. Vai surgir das escolhas diárias que transformam um saco de lixo num ato político. Porque reciclar não é só salvar garrafas — é desenterrar um futuro onde a palavra “lixo” nem precise existir.
E aí, vai continuar achando que herói usa capa? Às vezes, ele usa luva de borracha e carrega um ímã pra catar tampinhas.
Marcelo Augusto Rodrigues, é advogado especialista em direito ambiental e urbanístico, consultor técnico em sustentabilidade da Prefeitura Municipal de Caruaru, ex-Secretário de Meio Ambiente do Recife.