O projeto de reforma trabalhista que a Câmara programou para votar nesta semana anula, na prática, direitos constitucionais que protegem o trabalhador desde a década de 1940 e também previstos pela Constituição promulgada em 1988. O principal deles é a irredutibilidade dos salários para quem continua exercendo as mesmas funções em determinada empresa. A conclusão consta de estudos feitos por várias entidades sindicais, juristas especializados no assunto e até pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Se o texto apresentado pelo deputado Rogério Marinho (PSDB-RN) virar lei, as empresas poderão reduzir os salários de todos os empregados para continuarem exercendo as mesmas funções. Para isso, basta demiti-los e recontratá-los em regime de terceirização ou por acordo fechado individualmente com cada funcionário. Pela proposta do parlamentar, nem mesmo a Justiça poderá interferir no assunto.
Segundo estudos feitos pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Marinho foi além do que o Palácio do Planalto desejava. Ele acrescentou mecanismos que eximem as empresas do recolhimento de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e até da contribuição para a Previdência. Isso será possível com possibilidade de contratação temporária e a troca da carteira assinada pela terceirização dos mesmos trabalhadores que continuam prestando serviços à mesma companhia.
Empobrecimento
“As consequências serão o empobrecimento do trabalhador a médio prazo, a redução da massa salarial geral do país e até o corte na arrecadação previdenciária e de tributos”, alerta o advogado José Eymard Louguercio, especialista no tema. O advogado lembra que Marinho acatou muitas das 850 emendas apresentadas pelos colegas ao texto enviado pelo governo ao Congresso. A proposta altera mais de 200 dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e de toda a legislação trabalhista vigente.
Rogério Marinho nega que o projeto retire direitos dos trabalhadores e afirma que vai modernizar a legislação e permitir a geração de empregos, ao dar segurança jurídica aos empresários e colocar na formalidade trabalhadores sem carteira assinada.
A Ordem dos Advogados do Brasil alerta que, a médio prazo, as mudanças não vão interessar sequer aos empregadores, já que a redução salarial vai ter como consequência a queda no consumo. “O projeto agride a Constituição e todo o sistema normativo, representa um retrocesso civilizatório com o desrespeito aos direitos adquiridos”, diz o presidente da Ordem, Claudio Lamachia.
Justiça e sindicatos
O relatório de Rogério Marinho, na prática, acaba com a Justiça trabalhista, porque impede reclamações nos tribunais regionais e no Tribunal Superior do Trabalho (TST) depois que os acordos coletivos ou individuais forem fechados entre empresas e empregados. Pelo relatório, o Judiciário perde a autoridade para anular os acordos individuais, os acordos e as convenções coletivas contrárias à legislação. Com o texto de Marinho, as delegacias do Trabalho, os tribunais regionais e, em último caso, o TST teriam suas funções praticamente eliminadas.
Outro desmonte previsto no projeto do relator diz respeito à estrutura sindical. Ele propõe a criação da representação dos trabalhadores por empresa e retira das entidades sindicais a autoridade de fazer reclamações coletivas à Justiça. Com a terceirização até das atividades-fim, a proposta de Marinho acaba, na prática, com benefícios como o 13º salário, reduz significativamente as multas aplicadas às empresas que descumprirem a lei, regulamenta o teletrabalho por tarefa, e não por jornada, e dificulta o acesso dos trabalhadores às reclamações judiciais.
O deputado Rogério Marinho, integrante da bancada evangélica e principal defensor do polêmico projeto de Escola sem Partido – propõe o parcelamento das férias em até três períodos e acaba com o princípio de grupo econômico para limitar possíveis reclamações dos trabalhadores exclusivamente à empresa que celebra o contrato direto com os funcionários, eximindo a holding e outras coligadas da responsabilização pelas possíveis ilegalidades cometidas pelo “patrão” direto.
Abaixo do mínimo
Para a Frente Associação da Magistratura e do Ministério Público (Frentas), que representa mais de 40 mil juízes, promotores e procuradores, inclusive do Trabalho, trata-se do maior projeto de retirada de direitos trabalhistas já discutido no Congresso Nacional desde a criação da CLT. Em nota assinada pelos presidentes de nove entidades, a frente aponta o risco de o trabalhador passar a receber até mesmo abaixo do salário mínimo.
“São criadas/ampliadas novas formas de contratos de trabalho precários, que diminuem, em muito, direitos e remuneração, permitindo, inclusive, pagamento abaixo do salário mínimo mensal, o que concorreria para o aumento dos já elevados níveis de desemprego e de rotatividade no mercado de trabalho”, destaca a frente em um dos trechos da nota em que pedem aos parlamentares que rejeitem a proposta.
Segundo a Frentas, o substitutivo parte da ideia de que o trabalhador age de “forma ilícita e censurável” na relação processual, colocando a empresa como “ente sacrificado” por essas ações. Em pelo menos duas ocasiões o relatório nega aos trabalhadores a gratuidade processual: quando faltar à primeira audiência e quando as perícias tiverem resultado negativo, retirando dos juízes a possibilidade de exame caso a caso. “São hipóteses que mais parecem ameaças veladas para instrumentalizar passivos sancionatórios que a grande parte dos trabalhadores não teria como pagar, o que resultaria no desestímulo ao acesso à jurisdição e na elitização de uma Justiça reconhecidamente popular”, reclamam as entidades.
O projeto deverá ser votado entre quarta e quinta-feira em plenário e tem o apoio da maioria governista na Câmara. Depois dessa fase, a proposta irá ao Senado, onde o governo também tem maioria. Para virar lei, a reforma trabalhista só precisa ser aprovada por maioria simples dos presentes nas sessões de cada Casa legislativa.