Por unanimidade de votos, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou recurso do Ministério Público Federal (MPF) e manteve decisão do ministro André Mendonça, que absolveu um homem condenado por tráfico de drogas com base em provas obtidas de forma ilegal (ingresso domiciliar sem mandado judicial). A decisão se deu na sessão virtual finalizada em 12/4, no julgamento de agravo regimental no Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 235290.
De acordo com os autos, policiais militares foram acionados para atender a uma ocorrência de capotamento de veículo na rodovia que liga Monte Alto (SP) a Jaboticabal (SP) e, ao chegarem ao local do acidente, o automóvel estava abandonado, sem a presença de condutor ou vítimas. Ao revistarem o carro, os policiais localizaram as chaves de um apartamento com endereço e um aparelho celular desbloqueado. Eles então acessaram o aparelho com o intuito de localizar o proprietário do veículo, mas encontraram fotos de drogas, armas e dinheiro. Diante disso, se deslocaram até o endereço, sem mandado judicial, onde encontraram porções de maconha e LSD, documentos pessoais e veicular. Não havia ninguém em casa.
O acusado foi absolvido em primeira instância, sob o argumento de que o acesso às fotos do aparelho celular e a violação do domicílio, sem ordem judicial, foram ilegais, por isso as provas deveriam ser declaradas nulas e o réu absolvido. Mas houve recurso do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP), e o Tribunal de Justiça estadual (TJ-SP) condenou o homem a 6 anos e 9 meses de reclusão, em regime inicial fechado, por entender que a descoberta fortuita das fotos legitimaria a ação policial, tornando desnecessária a autorização judicial.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a condenação, ao considerar que o acesso à galeria de fotos do celular não foi motivado na busca de indícios da prática de crime, mas sim para tentar identificar o proprietário do veículo.
No recurso ao STF, a Defensoria Pública da União (DPU) argumentou que o acesso às mídias no aparelho celular do réu, bem como a entrada em sua residência foram realizados com ofensa aos direitos fundamentais de garantia de inviolabilidade de privacidade, de intimidade e da casa, destacando que a conduta dos policiais foi arbitrária e inadequada. Acrescentou que a reconstituição histórica dos fatos demonstra que não havia justificativas circunstanciais e elementos prévios que pudessem indicar flagrância de delito, o que autorizaria a entrada sem autorização judicial, inclusive poderiam ter buscado a autorização judicial para entrar no domicilio, o que não ocorreu.
Em sua decisão, mantida pela Segunda Turma do STF, o ministro André Mendonça rejeitou o argumento de que o acesso ao celular teria configurado “devassa ilegal” de privacidade, mas considerou que o ingresso domiciliar ilegal é motivo para absolver o réu. Segundo o relator, o caso em questão é diferente daqueles nos quais normalmente se reconhece a ilegalidade do acesso a aparelho telefônico sem autorização judicial.
Mendonça ressaltou que os policiais que atendiam a ocorrência buscavam identificar o proprietário de veículo capotado na rodovia e possíveis vítimas. Inicialmente acessaram a agenda telefônica e, depois que não encontraram pessoas relacionadas ao acidente, buscaram na galeria de fotos, quando foram encontradas as imagens. “Entretanto, o que seguiu, a meu sentir, revela claro desrespeito à inviolabilidade domiciliar”, disse o ministro.
Ele afirmou que o artigo 240 do Código de Processo Penal (CPC) é claro ao afirmar que a medida deve ser determinada mediante decisão judicial, quando imprescindível às investigações, condicionada à existência de elementos concretos (fundadas razões, nos termos legais) que justifiquem sua necessidade. “Contudo, não foi essa a atuação policial. As fotos provenientes do telefone, fortuitamente encontradas pela autoridade policial no local do acidente, constituíram os únicos dados de convicção que lastrearam o ingresso forçado na residência. Apesar de lícitos os dados obtidos por meio de acesso ao celular, há, no caso, uma clara transgressão ao direito fundamental à inviolabilidade domiciliar”, concluiu.