OPINIÃO: O anzol e o peixe

Por MAURO SANTAYANA*

Uma boa notícia: o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal brasileiro cresceu 47,5% entre 1991 e 2010, segundo o “Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil-2013”, divulgado pelo PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

Com isso, o IDHM geral do Brasil mudou de “muito baixo” (0,493), em 1991, para “alto desenvolvimento humano” (0,727), em 2010. Em 2000, o IDHM geral do Brasil era 0,612, ou seja, ainda considerado médio.

O IDHM não é a média do índice por municípios, mas cálculo feito a partir das informações do conjunto da população brasileira em relação a três indicadores: vida longa e saudável, acesso ao conhecimento e padrão de vida, este último determinado pela renda.

Segundo a publicação, alcançamos alto padrão quanto à longevidade e à renda, e padrão apenas “médio” quanto à educação. O dado não causa espanto uma vez que, em 2011, ocupamos o 88º lugar entre 127 países, segundo ranking elaborado pela Unesco – órgão da ONU dedicado à cultura e à educação.

Por sua vez, outro relatório, o de “monitoramento global”, indica que o Brasil foi dos países que mais aumentaram o investimento em educação, tendo um dos melhores programas de combate ao analfabetismo do mundo.

No geral, no entanto, os municípios que mais avançaram estão no Norte e Nordeste, o que indica que a renda da população mais pobre do país está mais alta, embora permaneça baixa com relação às regiões mais desenvolvidas, como a do Vale do Paraíba, em São Paulo, que está próxima à dos Estados Unidos.

Existe, no entanto, uma grande diferença entre acesso à educação – que se considera, no Brasil, a frequência à escola – e o acesso ao conhecimento.

Muitos alunos têm chegado às universidades públicas, religiosas e privadas, sem estar devidamente preparados – as últimas quase sempre mais preocupadas com o faturamento. Outros também tem tido acesso, com critério de seleção que não é muito rigoroso, a programas em que o Brasil investe muito, como ”Ciência Sem Fronteiras”.

Embora tenhamos universidades como a USP, considerada a melhor entre os países de língua portuguesa e espanhola, caímos seis posições no último ranking. Encontramo-nos ao lado do México, e atrás de algumas nações latino-americanas, como o Chile.

O Governo anuncia que pretende aumentar o número de escolas integrais, de 49 para 60.000 em curto espaço de tempo. É uma excelente medida, mas não basta retirar a criança da rua, seja assim, ou fazendo-a ajudar os pais, ao cuidar dos irmãos menores, enquanto eles trabalham.

É preciso aproveitar o tempo extra para que assimilem cultura, com teatro, leitura, artes plásticas, atividades que ensinem as novas gerações a pensar. Temos avançado – e precisamos caminhar muito mais – na melhora da qualidade de vida da população. Estamos aprimorando o sabor do peixe, mas precisamos ensinar o povo a pescar, por meio do conhecimento.

* Mauro Santayana é jornalista. Texto publicado no Jornal do Brasil.

OPINIÃO: Uma festa cristã

Por MAURO SANTAYANA*

A visita do papa Francisco o Brasil foi, mais do que um encontro de católicos, uma festa cristã, tendo em vista a pregação do Pontífice. Francisco vem com a promessa da paz que se funda na igualdade, a mesma igualdade que Cristo pregou ao longo de sua vida, até mesmo no fel do martírio. Em razão disso houve eminentes pastores que viram, na visita, um benefício a todos os cristãos, pois, que têm um inimigo comum no mundo: o materialismo que sustenta a opressão de povos inteiros pelos donos do dinheiro.

Wojtyla e seu conselheiro teológico Ratzinger perseguiram mais de 500 teólogos católicos, e condenou o brasileiro Leonardo Boff ao silêncio. Agora, segundo se informa, o novo papa deseja receber Boff, tão logo conclua a reforma da Cúria Romana. É interessante registrar o esforço inútil de alguns comentaristas políticos, alinhados com o pensamento de direita em nosso país, em desnaturar o discurso de Francisco, reduzindo a visita a uma simples busca da juventude que revitalize a Igreja em momento de crise histórica. Ora, o sentido evangelizador de sua prédica é reconhecido pelos principais jornais do mundo – e pelos próprios porta-vozes do Vaticano.

A mensagem cristã do cardeal Bergoglio não pode ser mais cristalina. Ele condena o mundo do hedonismo e da exclusão. O mundo e, nele, a vida, é um dom divino para o usufruto de todos, e não só de alguns. Os pobres não são pobres por vontade de Deus, mas porque a isso são condenados pelos ricos e poderosos. E sem que os ricos deixem de ser exagerados em sua riqueza, os pobres serão sempre pobres.

Quando os apóstolos ergueram sua primeira comunidade cristã – a Igreja do Caminho – ao exigir de todos a renúncia aos bens pessoais, construíram o germe do que poderá vir a ser, um dia, a civilização da solidariedade e radical igualdade – o Reino de Deus na Terra.

Ora, o discurso extremo dos poderosos é simples. Os recursos da natureza não bastam para levar os cinco bilhões de seres humanos ao padrão de consumo promovido pela tecnologia. O ideal, segundo seus cálculos, seria dizimar a população, reduzi-la a 500 milhões de pessoas. Embora disponham de meios técnicos para isso, o projeto parece inviável. É impossível admitir que noventa por cento dos seres humanos estejam dispostos a esse holocausto. Eles reagirão, e nova civilização poderá surgir, com outra forma de convivência, na igualdade proposta pela vida e pelo testemunho de sangue que nos deixou o homem de Nazaré.

O papa irá confrontar-se com uma resistência poderosa. Contra ele se levantam os setores mais conservadores da Igreja que, coincidentemente, estão comprometidos com os prelados corruptos e corruptores, com os lavadores de dinheiro via Banco do Vaticano, e outros aproveitadores. Mas, também e principalmente, com os donos do mundo e os governos que controlam, no mundo inteiro. Ele só poderá contar com Deus – e com os homens justos – para levar sua Igreja adiante, em um mundo melhor.

* Mauro Santayana é colunista do Jornal do Brasil

OPINIÃO: Os hitlernautas estão chegando

Por MAURO SANTAYANA*

Para quem acha que Dani Shwery, Thismir Maia e Carla Dauden são o máximo que a direita “espontânea” conseguiu preparar para mobilizar seus simpatizantes – no contexto do quadro reivindicatório das manifestações de junho – podemos dizer que entre os servidores do Google e da Microsoft e os mouses dos internautas comuns há muito mais coisas que a nossa vã filosofia possa imaginar.

Uma delas, ficou comprovado, é a espionagem norte-americana na rede, denunciada pelo agora foragido Edward Snowden.

O súbito aparecimento do fenômeno dos hitlernautas é outra – e esse é um fato que merece ser analisado. O hitlernauta, não é, na verdade, uma nova espécie no ciberespaço brasileiro. Ele sempre existiu, embora não fosse conhecido por esse nome. A questão é que, antes, os hitlernautas só podiam ser encontrados no seu habitat natural, em reservas quase sempre protegidas, e normalmente produzidas e consultadas apenas por eles mesmos.

Encontravam-se, assim, ao abrigo do navegante comum, como nos sites neonazistas, integralistas, da extrema-direita católica, ou que correspondem, no Brasil, a “espelhos” de certas “organizações” fascistas internacionais.

Nesses espaços, eles ficaram, por anos, alimentando suas frustrações, preparando-se para sair à luz do dia tão logo houvesse uma ocasião mais segura para se apresentarem ao mundo. A oportunidade surgiu no âmbito das passeatas de junho. Afinal, nessas manifestações, cada um podia carregar a mensagem que desejasse – desde que não fosse símbolo de partidos políticos.

Os hitlernautas, além de aparentemente apartidários, são, principalmente, anti-partidários. Assim, resolveram engrossar, a seu modo, a procissão, mesmo sem conseguir indicar, com clareza, rumo ou andor que lhes valesse.

É fácil reconhecer o hitlernauta. Nas ruas, é o “careca”; o de cara coberta por um lenço; pela máscara de um movimento “anarquista”; o que leva coquetel molotov de casa; joga pedra na polícia; agride violentamente o militante do PSDB ou do PSTU que estiver carregando uma bandeira; quebra prédios públicos; arranca semáforos; saqueia lojas; põe fogo em carros da imprensa ou invade o Itamaraty.

Na internet, o hitlernauta é ainda mais fácil de ser identificado. É aquele sujeito que acredita (piamente?) que estamos vivendo a penúltima etapa da execução de um Golpe Comunista no Brasil. E que o Fórum de São Paulo é uma espécie de conclave secreto, destinado a dominar o mundo via implantação, no continente, de uma União das Repúblicas Socialistas da América do Sul.

O hitlernauta é o “anônimo” que nos comentários, na internet, tenta convencer os interlocutores, de que as urnas eletrônicas são manipuladas; de que não existe oposição no Brasil, porque o PSDB é uma linha auxiliar do PT na implantação do stalinismo por aqui; que FHC é fabianista, logo, uma espécie de socialista a serviço da entrega do Brasil aos vermelhos; que a ONU é parte de uma conspiração mundial, e o único jeito de consertar o país é acabar com o voto universal, fechar o Congresso, dissolver os partidos, prender, matar, arrebentar e torturar, por meio de um novo golpe militar.

No dia 10 de julho, os hitlernautas saíram às ruas, sozinhos, pela primeira vez. Segundo o portal Terra, fecharam a rua Pamplona, até a esquina com a Consolação, com a Marcha das Famílias contra o Comunismo, convocada nas últimas duas semanas pela internet.

O portal IG calculou, em cerca de 100 pessoas, o grupo que se reuniu no vão do MASP e marchou, com bandeiras, pedindo intervenção militar, até as imediações do Comando Militar do Sudeste.

No Rio, a convocação conseguiu juntar, frente à Candelária, trinta e poucos manifestantes, em cena em que se viam mais bandeiras e cartazes sobre as escadas do que pessoas para empunhá-los. Ao ver a foto da “manifestação”, muita gente os ridicularizou na internet.

Os primeiros desfiles das SA na República de Weimar também não reuniam mais que 30 pessoas, que carregavam as mesmas suásticas hoje tatuadas na pele dos skinheads presentes à Marcha das Famílias contra o Comunismo, em São Paulo, no dia 10. As pessoas normais, ao vê-los desfilando nos parques, com os seus ridículos uniformes, acharam, na década de 30, que os nazistas eram um bando de palhaços. Eles eram palhaços, mas palhaços que provocaram a maior carnificina da História. Sob seus olhos frios, seus gritos carregados de ódio, milhões de inocentes foram torturados, levados às câmaras de gás, e incinerados, em Auschwitz, Maidanek, Birkenau, Dachau, Sachsenhausen – e em dezenas de outros campos de extermínio montados por ordem de Hitler.

Os hitlernautas não devem ser subestimados. É melhor que a sociedade os conheça. A apologia da quebra do estado de direito é crime e deve ser combatida com os rigores da lei. Cabe ao Ministério Público, com a ajuda da Polícia Federal, identificá-los e denunciá-los à Justiça, para que sejam julgados e punidos, em defesa da democracia.

* Mauro Santayana é colunista do Jornal do Brasil