Folha de S.Paulo
Nos anos 80, popularizaram-se tanto o bordão de uma propaganda do vodca Orloff como o uso dele para se referir às vicissitudes de Brasil e Argentina.
O bordão era “eu sou você amanhã”. Por extensão, dizia-se que o Brasil de amanhã seria a Argentina do dia anterior, porque uma congelava preços –e fracassava– e, o outro, adotava idêntica medida –para fracassar em seguida.
Temo que o que se chamou à época de “efeito Orloff” ressuscite agora, quando os dois países têm presidentes novos e enfrentam dificuldades para encarar as complicadíssimas heranças que receberam.
Em ambos os casos, o ponto central das políticas adotadas é a recuperação das contas públicas.
No caso argentino, o presidente Mauricio Macri encontrou tarifas de energia, por exemplo, praticamente congeladas, o que levava a subsídios insuportáveis (passaram de 1,5% do gasto público em 2005, para 12,3% em 2014). Consequência inescapável: o déficit orçamentário saltou para assustadores 5,4% do Produto Interno Bruto em 2015.
Era inevitável, portanto, um tarifaço. Mas a dose acabou sendo excessiva, a ponto de a Justiça ter interferido, proibindo os aumentos (a decisão final está em mãos da Suprema Corte).
No Brasil, é conhecido o estado das contas públicas, mas o governo Michel Temer não fez nada até agora, para evitar defecções que se reflitam nos votos sobre o impeachment definitivo de Dilma Rousseff.
De todo modo, o grande lance de Temer já está anunciado: o teto dos gastos públicos, que, se aprovado, terá efeito ainda mais estonteante do que o tarifaço de Macri.
Vale aqui, para reforçar o “efeito Orloff”, usar avaliação da Universidade Católica Argentina (UCA) sobre os primeiros seis meses de Macri.
Diz o estudo que, aos já insuportáveis 29% de pobres que havia na Argentina ao terminar 2015 (e, com ele, o governo de Cristina Kirchner), somaram-se, no primeiro trimestre de 2016, 1,4 milhão de pessoas, elevando o total a 34,5% da população, ou 13 milhões.
No Brasil, os de baixa renda são 73 milhões, mais ou menos a mesma porcentagem da Argentina.
O que o estudo chama de “novos pobres” surgiram das “medidas normalizadoras” adotadas por Macri.
A UCA não nega a necessidade de tais medidas e o fato de que é preciso tempo para a economia voltar a crescer e se recuperar a confiança.
Mas assinala – e nesse ponto vale para a Argentina de Macri como para o Brasil de Temer – que “muito pouco se conseguirá a esse respeito [confiança no futuro] se, durante esse duro trânsito, não houver uma distribuição socialmente mais equitativa dos custos do ajuste e dos recursos disponíveis”.
A diferença entre Temer e Macri é que este tem gordura de popularidade para queimar, ao contrário do brasileiro.