O presidente Michel Temer superou a primeira denúncia contra si, por corrupção passiva, com quase cem votos de folga no plenário da Câmara, em 2 de agosto. De lá para cá, os mais de 200 votos da bancada ruralista, uma das mais poderosas do Congresso, têm recebido tratamento especial do peemedebista, agora denunciado por organização criminosa e obstrução de Justiça. Para barrar a segunda acusação, Temer tratou de providenciar, além da polêmica portaria que afrouxa a fiscalização do trabalho escravo – uma constante em fazendas Brasil afora –, um decreto que autoriza a conversão de multas ambientais em prestação de serviços, e justamente no setor ambiental. O afago dos ruralistas vai além: ganha desconto de 60% sobre as multas quem aderir aos termos do decreto.
A votação da Câmara que deve livrar Temer pela segunda vez, algo inédito na história do Brasil, está prevista para a sessão plenária da próxima quarta-feira (25), em um ambiente de conflagrada crise política, fissuras profundas na base aliada e desgaste institucional. Ambientalistas fazem coro com a oposição no Congresso e dizem estar clara a barganha por votos por meio de medidas para agradar setores poderosos. Seria uma forma de suavizar aos seus devedores com voto (muitos deles do agronegócio), em tempo de recessão econômica, o impacto de R$ 4,6 bilhões em multas aplicadas por órgãos ambientais federais ainda não pagas e não judicializadas.
Tal valor, todo ele relativo às multas ainda passíveis de conversão, foi informado pela presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Suely Araújo, que esteve com o presidente no Refúgio Ecológico Caiman, em Miranda (Pantanal de Mato Grosso do Sul), para prestigiar o 2º Encontro da Carta Caiman, onde o decreto foi assinado. Além de Suely, parlamentares e o ministro licenciado do Meio Ambiente, Sarney Filho, que votará para salvar o peemedebista na Câmara, também fizeram questão de participar da cena, em demonstração de coesão da base de sustentação no Congresso. Um dos principais membros da tropa de choque, o vice-líder do governo na Câmara Carlos Marun (PMDB-MS) esteve no encontro, bem como o senador Pedro Chaves (PSC-MS).
Fator Maia
Enquanto reforça os laços com os ruralistas, independentemente do alto preço a pagar e da impopularidade crescente, Temer enfrenta os humores do responsável pela condução da votação da segunda denúncia. Nas últimas semanas, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que já se queixou publicamente do tratamento do PMDB ao seu partido (“Que não vire relação entre inimigos”, chegou a dizer), resolveu desvincular sua imagem da do governo.
O último ato foi a troca de acusações com a defesa de Temer por ocasião da veiculação, no site da Câmara, de vídeos com depoimentos em que o delator Lúcio Funaro, operador de esquemas de corrupção do PMDB, diz que o presidente atuava para defender o interesse de empresas do setor portuário, entre outros relatos. Temer tentou ensaiar uma reaproximação na semana passada com Maia e, por meio de sua assessoria, depois de reunião com o deputado, disse que o assunto tratado foi o rito da denúncia – versão prontamente negada por Maia, em dura nota pública.
Sem querer dar detalhes, Maia disse que a reunião teve como único propósito “esclarecer episódios que deram margem a incompreensões”. “Não havia sentido algum tratar de rito processual de votação de um Poder da República com o presidente de outro Poder, muito menos quando é um deles que está sendo processado e julgado junto com seus ministros. Essa versão é falsa, e quem a divulgou deve vir a público dizer por que o fez e com qual intenção”, fustigou o parlamentar, por meio de nota cujo tom em relação a Temer até então era inédito.
Escaldado quando assunto é crise, Temer adotou a estratégia do elogio para abordar o assunto, ontem (sábado, 21), em meio ao cenário pantaneiro. “É uma relação de muito respeito [com Maia]. Respeito institucional. O Rodrigo é um verdadeiro magistrado em todas as questões – pelo menos algumas, de natureza política. Agora, nas questões que dizem interesse ao país, ele tem sido um colaborador extraordinário com nosso governo”, declarou o peemedebista, para quem Maia foi “talhado” para a política.
Fator PR
Além do DEM de Rodrigo Maia, que reúne 30 deputados, Temer também demonstra preocupação com o PR, com seus 38 nomes na Câmara. O Partido da República continua sob a influência do ex-deputado federal Valdemar Costa Neto, presidente da legenda condenado no mensalão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro – por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), desde maio do ano passado Valdemar está livre de cumprir a pena de sete anos e dez meses de cadeia, que começou a ser cumprida em dezembro de 2013, quando foi preso. Ele também está na mira da Operação Lava Jato junto com outros correligionários.
Sob pressão de aliados rebeldes com tem sido o PR, Temer preferiu adiar privatizações e postergar a concessão de 14 aeroportos, como o de Congonhas (SP), o mais lucrativo para a rede da Infraero – não por coincidência, estrutura da União dominada pelo PR de Valdemar. Segundo reportagem veiculada ontem (sábado, 21) no jornal O Globo, Temer alterou o cronograma do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e adiou leilões de concessão, que haviam sido anunciados em agosto, para 2019.
Segundo a reportagem, o recuo teve início depois que Valdemar entrou em campo contra a mudança de gestão em Congonhas. O ex-deputado quer que Temer desista da ideia de privatizar o aeroporto, caro aos seus interesses partidários. Como a Infraero é área de influência do PR, e a legenda conta com 37 integrantes na Câmara, estabeleceu-se a seguinte troca de favores: sem dinheiro para custear a contento emendas parlamentares, muitas delas pendentes ainda da época da primeira denúncia, Temer mantém a rentável fonte de recursos sob o comando do PR, via Congonhas, e em contrapartida recebe o apoio da bancada na engrenagem de sobrevivência do governo – que, obviamente, tem negado haver barganha nesse caso. Por meio desses tipos de medidas e ações de governo, acredita Temer, seu mandato será salvo.
Na última sexta-feira (20), o ministros dos Transportes, Portos e Aviação, Mauricio Quintella Lessa, já havia anunciado que governo reavaliaria a privatização do aeroporto paulista. Deputado federal do PR de Alagoas, Maurício está licenciado do mandato justamente para chefiar a pasta, que é reduto do partido há anos. Na votação de 2 de agosto, Lessa foi um dos 263 votos favoráveis a Temer no plenário da Câmara, ajudando o presidente a barrar a primeira denúncia de Janot, por corrupção passiva. Nove do PR votaram contra o presidente, e dois se ausentaram da Casa no dia da sessão.