Por Maurício Rands
O professor João Maurício Adeodato é um dos responsáveis pela reinserção da Faculdade de Direito do Recife, da UFPE, na melhor cena acadêmica nacional e internacional. Sua contribuição na formação de gerações de juristas e profissionais do direito é notável. Como também sua obra, pela originalidade e profundidade. Esse reconhecimento acaba de ser conferido pela Associação Internacional de Filosofia Jurídica e Social – IVR na sigla em alemão, que lhe designou como o palestrante principal do XXX Congresso Mundial da IVR, realizado em Bucarest em 03 de julho p.p.
Seu recente livro “Introdução ao Estudo do Direito – Retórica Realista, Argumentação e Erística” é desses textos que lamentamos não ter lido antes. Quando iniciei minha paixão pelo direito não tive acesso a obra tão profunda e ao mesmo tempo tão compreensível. Porque representa a reflexão madura de um pensador do direito que a ele dedicou toda sua vida intelectual e profissional. Porque representa uma síntese de um pensamento original que o autor foi desenvolvendo em seus estudos e obras publicadas que tornaram o seu currículo Lattes um dos mais densos entre todos os juristas brasileiros. E em sua experiência em salas de aula, seminários e congressos especializados. O resultado ajuda-nos a entender as razões da crise do direito que experimentamos com o quotidiano de decisões que os jurisdicionados percebem como contraditórias, politizadas, interessadas ou simplesmente injustas. Uma crise cujo paroxismo é a má avaliação da opinião pública sobre a jurisdição constitucional do nosso STF. Vista como politizada, casuística, incoerente, incerta e muitas vezes afastada do texto constitucional.
Na apresentação e problematização dos principais conceitos do direito, JMA percorre a história da filosofia do direito desde as suas raízes greco-romanas e nos apresenta a evolução das diversas concepções sobre o direito. Ele chega a uma abordagem que supera as velhas teorias jusnaturalistas e positivistas. Sua retórica realista é uma perspectiva metodológica que se assenta em atitudes menos pretensiosas dos que as normativas dos que acham que a sua visão sobre o justo é a certa e que deve prevalecer. Seja porque viria de Deus, da razão humana universal ou da natureza humana, ainda que com conteúdo variável, como pugnam pensadores contemporâneos como Dworkin e Rawls. Aretórica realista de JMA revela-se em três teses: i) retórica não é só falácia e sedução; ii) retórica não é só persuasão e convencimento; e, iii) retórica é um tipo de filosofia. A filosofia retórica põe a ênfase no entendimento das narrativas, da linguagem que informa os relatos em disputa. Por isso, importa a atitude realista, no sentido oposto ao de normativa, idealista. Sempre assentada na tolerância (reconhecimento de perspectivas e valores diversos) e no ceticismo (estabelecimento da dúvida epistemológica). Ao longo do livro, sua visão de retórica é revelada em três planos: i) a retórica material que se constitui do relator vencedor, das narrativas que se impuseram como dominantes em certo contexto; a dogmática jurídica; ii) a retórica estratégica, vista como as técnicas de persuasão da audiência pelo discurso para impor a retórica material; sejam as vias positivas do convencimento (no sentido Aristotélico), sejam os chamados meios erísticos para impor uma versão pela dissimulação, arrogância, manipulação ou corrupção (“as vias inconfessáveis do discurso humano”); e, iii) a retórica analítica, cujo papel descritivo produz enunciados que tentam explicar o funcionamento e as mútuas interferências entre as retóricas material e estratégica.
JMA bem analisa os efeitos da hipercomplexidade das sociedades contemporâneas no direito. Disseca a incerteza dos relatos concorrentes, a pluralidade das fontes criadoras das normas jurídicas, e as estratégias erísticas usadas pelos operadores do direito para impor suas narrativas. E, portanto, a característica alopoiética do direito de uma sociedade periférica como a brasileira, cujo sistema jurídico tem pouca autonomia e é excessivamente permeável às influências dos sistemas político e econômico. Para isso, ele valoriza os procedimentos democráticos, mesmo sem abdicar de uma visão cética sobre o gênero humano: “É o sapiens: demanda uma quantidade e uma qualidade de recursos, que são impossíveis de obter para todos, para desenvolver seus impulsos de solidariedade, honestidade etc. Nas condições da história da espécie isso jamais ocorreu e o lado mais instintivo sempre prevaleceu. Só instituições coercitivas e democráticas podem frear parcialmente essa antropologia e tornar a vida em comum mais eficiente. Mas construir as instituições também exige recursos que são escassos”.
Maurício Rands, advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford