Carta de Dilma: reconhecer erros e cutuca Temer

Folha de S.Paulo 

Em crítica indireta ao interino, Michel Temer, a presidente afastada Dilma Rousseff deve se comprometer com o Senado a assegurar a independência das investigações da Polícia Federal e a não indicar para a sua equipe de governo condenados por corrupção caso retorne ao cargo.

Segundo relatos de petistas e aliados, com os quais Dilma conversou sobre a carta que enviará nesta semana aos senadores, ela também pretende defender o amplo direito de defesa e irá chamar de “golpe” o seu afastamento. As estocadas são feitas depois de dois ministros da gestão atual terem deixado os cargos por críticas à Lava Jato. Após ter adiado a divulgação do documento, a presidente afastada passou o final de semana revisando a carta e ainda pretende fazer ajustes de última hora nesta segunda (15).

No texto, ela pretende reconhecer que a crise atual é grave, mas que somente pode ser superada com alguém que tenha a legitimidade do voto popular. Com recuos na área econômica e dificuldades no Congresso, o governo interino tem promovido uma ofensiva junto ao setor empresarial com receio de perda de apoio na fase final do processo de impeachment.

Segundo relatos de petistas e aliados, a presidente afastada pretende reconhecer que cometeu erros à frente do Planalto, mas que não praticou nenhuma ilegalidade, e prometerá medidas para a retomada imediata do crescimento e a recuperação do emprego. Para isso, se dispõe a ouvir previamente a sociedade.

Ela ainda deve defender enfaticamente a convocação de um plebiscito para consultar a população sobre uma nova eleição presidencial e sobre uma reforma política. Ela quer deixar claro, contudo, que a prerrogativa é do Congresso, mas que endossará a iniciativa.

A ideia inicial era que o texto fosse divulgado na semana passada, quando foi votada a pronúncia, penúltima etapa do processo de impeachment no Senado. O adiamento foi criticado até mesmo por congressistas petistas, segundo os quais a presidente afastada “perdeu o timing”.

Macri e Temer, no fio da navalha

Folha de S.Paulo

Nos anos 80, popularizaram-se tanto o bordão de uma propaganda do vodca Orloff como o uso dele para se referir às vicissitudes de Brasil e Argentina.

O bordão era “eu sou você amanhã”. Por extensão, dizia-se que o Brasil de amanhã seria a Argentina do dia anterior, porque uma congelava preços –e fracassava– e, o outro, adotava idêntica medida –para fracassar em seguida.

Temo que o que se chamou à época de “efeito Orloff” ressuscite agora, quando os dois países têm presidentes novos e enfrentam dificuldades para encarar as complicadíssimas heranças que receberam.

Em ambos os casos, o ponto central das políticas adotadas é a recuperação das contas públicas.

No caso argentino, o presidente Mauricio Macri encontrou tarifas de energia, por exemplo, praticamente congeladas, o que levava a subsídios insuportáveis (passaram de 1,5% do gasto público em 2005, para 12,3% em 2014). Consequência inescapável: o déficit orçamentário saltou para assustadores 5,4% do Produto Interno Bruto em 2015.

Era inevitável, portanto, um tarifaço. Mas a dose acabou sendo excessiva, a ponto de a Justiça ter interferido, proibindo os aumentos (a decisão final está em mãos da Suprema Corte).

No Brasil, é conhecido o estado das contas públicas, mas o governo Michel Temer não fez nada até agora, para evitar defecções que se reflitam nos votos sobre o impeachment definitivo de Dilma Rousseff.

De todo modo, o grande lance de Temer já está anunciado: o teto dos gastos públicos, que, se aprovado, terá efeito ainda mais estonteante do que o tarifaço de Macri.

Vale aqui, para reforçar o “efeito Orloff”, usar avaliação da Universidade Católica Argentina (UCA) sobre os primeiros seis meses de Macri.

Diz o estudo que, aos já insuportáveis 29% de pobres que havia na Argentina ao terminar 2015 (e, com ele, o governo de Cristina Kirchner), somaram-se, no primeiro trimestre de 2016, 1,4 milhão de pessoas, elevando o total a 34,5% da população, ou 13 milhões.

No Brasil, os de baixa renda são 73 milhões, mais ou menos a mesma porcentagem da Argentina.

O que o estudo chama de “novos pobres” surgiram das “medidas normalizadoras” adotadas por Macri.

A UCA não nega a necessidade de tais medidas e o fato de que é preciso tempo para a economia voltar a crescer e se recuperar a confiança.

Mas assinala – e nesse ponto vale para a Argentina de Macri como para o Brasil de Temer – que “muito pouco se conseguirá a esse respeito [confiança no futuro] se, durante esse duro trânsito, não houver uma distribuição socialmente mais equitativa dos custos do ajuste e dos recursos disponíveis”.

A diferença entre Temer e Macri é que este tem gordura de popularidade para queimar, ao contrário do brasileiro.

Cunha volta a ameaçar Temer: “Não vai ficar assim”

O presidente  interino Michel Temer é refém de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara, que ainda representa o maior risco à continuidade do governo provisório.

Em sua coluna deste domingo, o jornalista Lauro Jardim retrata Cunha como praticamente um sócio de Temer, que ameaça o antigo parceiro sobre revelações a respeito de viagens e negócios em comum.

Leia a nota:

CUNHA AMEAÇA TEMER

Eduardo Cunha não pretende morrer sem atirar. Na semana passada, um emissário do notório deputado conversou com Temer no Palácio do Jaburu. O recado que Temer ouviu pode ser resumido na espécie de parábola que foi transmitida a ele pelo emissário.

“Michel, o Eduardo me disse: ‘Era uma vez cinco amigos que faziam tudo juntos, viajavam, faziam negócios… Então, um virou presidente, três viraram ministros e o último foi abandonado’… E que isso não vai ficar assim.”

Temer, de acordo com o relato que Cunha tem feito a pessoas muito próximas, respondeu: “Ele sabe que estou tentando ajudá-lo.”

Os três ministros citados na nota são Eliseu Padilha, Geddel Vieira Lima e Henrique Eduardo Alves, já defenestrado.

Temer, de fato, está ajudando – o que fica evidente com as manobras do Palácio do Planalto, em sintonia com Rodrigo Maia (DEM-RJ), para adiar indefinidamente a cassação de Cunha.