Artigo: O político contra o Estadista

Por Dimitre Bezerra 

Em recente entrevista divulgada no site da portuguesa RTP no último domingo, o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que “não houve mensalão” e que o julgamento da Ação Penal nº 470 (alcunhada de ação do mensalão) “teve praticamente 80% de decisão política e 20% de decisão jurídica”.

Trata-se de uma postura descabida para um ex-Presidente da República. O político está a manchar a biografia do Estadista.

É inquestionável que durante o governo Lula o Brasil teve os avanços mais significativos da sua história, sobretudo na área social. Esse é o legado que deveria ser preservado na História.

Negar a existência do esquema para compra de apoio parlamentar no Congresso Nacional, devidamente esmiuçado na Ação Penal nº 470 por parte do Supremo Tribunal Federal é uma afronta aquela Corte Suprema, ao povo brasileiro, a democracia e a própria biografia do ex-Presidente.

Falar em decisão política é totalmente descabido.

O Excelso Pretório é um tribunal civil cuja composição tem seu rito estabelecido no art. 101 da Constituição Federal de 1988, sendo os Ministros indicados privativamente pela Presidência da República e aprovados pela maioria absoluta do Senado Federal, dentre cidadãos brasileiros natos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.

Indubitavelmente não se trata de um tribunal de exceção para um julgamento político. As regras processuais penais cabíveis foram devidamente observadas na condução da Ação Penal nº 470, sendo assegurada aos réus a observância dos Princípios Constitucionais da Ampla Defesa, do Contraditório e do due processo of law. Não há no que se falar em julgamento político.

Ainda é interessante lembrar que da atual composição do Supremo Tribunal Federal nada menos que 8 (oito) Ministros foram indicados pelas gestões do Partido dos Trabalhadores (Lula indicou Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Dias Toffoli, e ainda, Dilma indicou Rosa Weber, Teori Albino Zavascki, Luiz Fux e Roberto Barroso), além das indicações pretéritas dos ex-Presidentes José Sarney (Celso de Mello), Fernando Collor (Marco Aurélio de Mello) e Fernando Henrique Cardoso (Gilmar Mendes).

Talvez a postura pouco serena do Ministro Joaquim Barbosa (Presidente do STF) e relator da ação do mensalão, cujos arroubos por certo podem ter sido impulsionados pela exposição midiática do julgamento, poderia ser objeto de uma censura, nunca de um questionamento quando a lisura.

As declarações do ex-Presidente Lula fazem apequenar sua biografia escrita em cima do seu grande legado.

Dimitre Bezerra é advogado 

OPINIÃO: Custeio da restauração da Igreja da Matriz por parte da Prefeitura de Caruaru é legal

Por DIMITRE BEZERRA*

No último domingo (23), quando entrei na avenida Rio Branco, fui questionado pelos meus queridos pais sobre a interdição da Igreja da Matriz, a Catedral de Nossa Senhora das Dores. Na oportunidade, meu pai me questionou se a Prefeitura de Caruaru poderia custear as obras de restauração daquele templo, visto que se trata de uma igreja que faz parte da história de Caruaru. Também foi dito pelo meu pai que, antes da obra que levou à Catedral a ter a atual arquitetura, ele lembrava com saudades da antiga igreja de duas torres que existia no local.

É fato mais do que notório para nós caruaruenses que a Catedral de Nossa Senhora das Dores está intrinsecamente ligada às nossas tradições religiosas, históricas e culturais. Tal fato se comprova até pelo nome carinhoso como é conhecido o logradouro em que a Catedral encontra-se edificada. Oficialmente, como dito em princípio, a via é nominada de avenida Rio Branco, notadamente um gesto de reconhecimento aos valiosos serviços prestados pelo Barão do Rio Branco ao nosso país, como Patrono da Diplomacia brasileira, entre outros feitos. Entretanto, para nós caruaruenses, ali encontra-se a “Rua da Matriz”, uma forma carinhosa que utilizamos para nos referir ao local e às imediações.

A partir da provocação dos meus pais, lembrei que há alguns anos eu havia me deparado com a mesma situação no município do Bom Jardim, também do Agreste pernambucano. Lá, a principal igreja da cidade, a Matriz de Sant’Ana, encontrava-se interditada e com risco de desabar em virtude da falta de restauração.

Na oportunidade, defendi a tese de que o poder público municipal poderia custear a obra de restauração mediante a concessão de uma subvenção à Diocese, posicionamento que gerou discussões com a assessoria da prefeitura em algumas oportunidades, pois havia receio dos meus colegas de uma possível afronta às disposições do art. 19, inciso I, da Constituição Federal de 1988. Tal dispositivo, em tese, vedaria a subvenção a um culto religioso, pois poderia se configurar uma eventual relação de dependência entre poder público e autoridades religiosas.

Para dirimir quaisquer dúvidas, convenci o então prefeito João Francisco de Lira a encaminhar uma consulta ao Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, de modo a respaldá-lo no processo decisório que objetivava a restauração da igreja. Elaborei os termos e o prefeito subscreveu a consulta, que foi tombada por meio do processo administrativo TC nº 0600955-4. A relatoria ficou a cargo do então auditor Valdecir Pascoal, que hoje coincidentemente preside aquela Corte Estadual de Contas. Na sessão realizada no dia 5 de abril de 2006, o tribunal pleno respondeu por meio da decisão TC nº 354/2006, à unanimidade, nos seguintes termos:

“A urgência na restauração de uma Igreja Matriz secular, arraigada na tradição cultural do povo que a ela recorre para exprimir seus sentimentos religiosos herdados dos antepassados e que se identifica com a própria história da União, de um Estado ou de um Município, não caracteriza nenhuma relação de dependência entre o Poder Público e autoridades religiosas, mas pode atender a um interesse público manifesto. É possível a colaboração financeira da administração pública visando à restauração de templo religioso secular e de interesse cultural indiscutível, desde que observadas, rigorosamente, a disciplina instituída pelo artigo 26 da Lei de Responsabilidade Fiscal”.

* Dimitre Bezerra é graduado em direito, pós-graduado em prática do processo, mestre em gestão pública e doutorando em direito penal. É assessor jurídico de diversos municípios de Pernambuco

OPINIÃO: Entendendo a CGU

Por DIMITRE BEZERRA

Antes de entendermos o que é a Controladoria-Geral da União (CGU), é preciso compreender o conceito de controle.

Nossa Constituição elegeu duas formas de controle: o interno e o externo.

O controle externo na administração pública parte de uma ideia de limitar o uso do Poder, seguindo regras específicas. Ditas regras são necessárias para que o controlador não passe a se sobrepor sobre o controlado, visto que a nossa Constituição Federal de 1988, mais precisamente no artigo 2º, estabelece a independência e harmonia entre os Poderes da Federação.

A matéria foi esclarecida no artigo 70 da CF/88, quando estabelece que o controle externo tratará da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial (…) quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas.

A norma constitucional estabelece que o Poder Executivo é controlado externamente pelo Poder Legislativo, com auxílio técnico dos Tribunais de Contas (da União e dos Estados). O Poder Legislativo é controlado pelos Tribunais de Contas. E, por fim, o Poder Judiciário é controlado pelo Poder Legislativo.

Dessa forma, entende-se que a atuação do controle, entre Poderes, pode ser definida como controle externo.

O controle interno, que também tem previsão constitucional, consiste numa estrutura montada dentro de um órgão público, dotada de pessoas capacitadas e designadas para a tarefa de efetuar o controle dos atos administrativos.

Inicialmente o controle interno deve ter por atribuição verificar se os atos que são praticados dentro da sua esfera de atuação são legais.

A atuação da Controladoria-Geral da União parte da ideia de controle interno.

Compete à Secretaria Federal de Controle Interno (SFC) o exercício das atividades de órgão central do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal.

Em cumprimento ao disposto no artigo 74 da Constituição Federal e às disposições da Lei nº 10.180, de 6 de fevereiro de 2001, cabe à SFC avaliar a execução de programas de governo, comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto a eficácia e eficiência, da gestão dos administradores públicos federais, exercer o controle das operações de crédito e, também, exercer atividades de apoio ao controle externo.

As atividades de Controle Interno são realizadas em todo o país, com a colaboração das unidades regionais da CGU nos Estados.

Além de fiscalizar e detectar fraudes em relação ao uso do dinheiro público federal, a Controladoria-Geral da União também é responsável por desenvolver mecanismos de prevenção à corrupção.

O objetivo é que a CGU não apenas detecte casos de corrupção, mas que, antecipando-se a eles, desenvolva meios para prevenir a sua ocorrência. Essa atividade é exercida por meio da sua Secretaria de Prevenção da Corrupção e Informações Estratégicas (SPCI).

A SPCI, criada em 24 de janeiro de 2006, com a publicação do Decreto nº 5.683, é responsável por centralizar as ações de inteligência e de prevenção da corrupção, que, antes de sua criação, eram implementadas de forma dispersa pelas unidades da CGU.

Além de promover a centralização e o fomento das ações preventivas, a nova estrutura tornou viável a organização de uma unidade de inteligência.

O que mais chama a atenção em relação aos municípios é que a CGU foi criada para prioritariamente cuidar dos órgãos da administração pública federal, o que poderia levar ao questionamento da sua legitimidade em realizar auditorias em outros Entes Federativos.

Ocorre que, ao tratar da fiscalização do emprego dos recursos federais transferidos voluntariamente, os chamados convênios, a CGU avoca a prerrogativa de auditar a aplicação feita pelos municípios.

Por ser um órgão de controle interno, a CGU não delibera sobre os fatos encontrados, ou seja, não julga nada. Entretanto, ao emitir seus relatórios de fiscalização, a CGU encaminha as ilegalidades encontradas em auditoria para os demais órgãos de controle externo, e ainda, para o Ministério Público Federal, para que se tomem medidas de resguardo ao erário.

No caso dos municípios, os órgãos concedentes dos recursos repassados por meio de convênios (ministérios de Estado) também recebem uma cópia do relatório de fiscalização para que adotem as medidas de saneamento ou ressarcimento dos recursos públicos mal geridos.

fotoDimitre Bezerra é advogado, consultor em administração pública municipal, especialista em prática do processo, mestre em gestão pública e doutorando em direito penal.

OPINIÃO: O ‘erro’ da TV Globo

Por DIMITRE BEZERRA ALMEIDA*

Foi engraçado e, ao mesmo tempo, trágico o editorial do Jornal Nacional de ontem (2) compartilhando uma matéria de “O Globo” que reconhece o “erro” da família Marinho em ter apoiado o golpe militar de 1964. “Erro”? Só isso?

A pequena TV Globo (que depois veio tomar parte do império midiático chamado Rede Globo), integrante das organizações Roberto Marinho, se esbaldou das benesses do poder golpista, inclusive para cooptar anunciantes e inviabilizar de todas as formas a TV Tupi (de Assis Chateaubriand) e a TV Record, canais televisivos que até então eram grandes.

Em virtude do “erro” da Rede Globo, ocultaram-se atentados, perseguições, torturas, como um braço fiel do militarismo dentro da mídia nacional. Censurou-se o conhecimento ao que estava acontecendo no mundo, publicando-se apenas aquilo que era enviado pela Reuters, segundo os interesses dos militares amparados pelos Estados Unidos.

O reconhecimento do “erro” não exime a Rede Globo do imenso mal feito ao Brasil. É uma pena que o rosto bonito do Willian Bonner e a sua voz doce sejam suficientes para convencer a muitos que tudo se tratou apenas de um “pequeno” equívoco histórico, de um mal-entendido agora esclarecido. A mim ele apenas fez um grande insulto.

* Dimitre Bezerra Almeida é advogado, consultor em administração pública municipal, especialista em prática do processo, mestre em gestão pública e doutorando em direito penal.