O vice-presidente jurídico do grupo Odebrecht, Maurício Ferro, pediu para deixar o cargo após se tornar réu por suspeita de corrupção.
Ele é acusado de ter participado do processo que resultou na edição de uma medida provisória pelo governo Lula, em 2009, em troca de doação de R$ 50 milhões para o caixa dois do PT, segundo Marcelo Odebrecht, ex-presidente do grupo.
Ferro tornou-se réu na última segunda-feira, mas não foi afastado ou demitido pela Odebrecht, como recomendam os manuais de ética corporativa ou “compliance”. Ele pediu para sair na sexta (17).
A reportagem da Folha de S.Paulo havia questionado a permanência de Ferro na vice-presidência jurídica da holding na véspera. Ele disse na carta de demissão que sai para cuidar da sua defesa. Ele não é delator.
A resistência da Odebrecht em afastar Ferro mostra que o grupo enfrenta percalços para implantar novas práticas, segundo Bruno Brandão, diretor executivo da Transparência Internacional no Brasil, a entidade mais influente em questões de combate à corrupção no mundo.
“A permanência dessas pessoas na alta direção tira toda a credibilidade da suposta ´virada de página´ e tolerância zero à corrupção que a Odebrecht vem anunciando. A Transparência Internacional tem repetido isso há muito tempo”, disse Brandão à reportagem.
“Não é possível manter dentro da empresa criminosos confessos ou gente que esteve imersa na cultura corporativa de corrupção que predominou na companhia durante tanto tempo”. Para ele, o executivo deveria ter sido afastado “há muito tempo”.
Em dezembro de 2016, quando fez o maior acordo de delação na história brasileira, com 87 delatores, a Odebrecht anunciou que sua política seria de tolerância zero com corrupção. “Estamos comprometidos, por convicção, a virar essa página”, dizia em anúncio.
Ferro é casado com Monica Odebrecht, irmã de Marcelo e filha de Emilio Odebrecht, ex-presidente do conselho. Marcelo considerava injusto que ele tenha ficado dois anos e meio preso em Curitiba (PR), vai ficar mais dois anos e meio em prisão domiciliar enquanto Ferro nem se tornara delator.
Ao sair da prisão, no final do ano passado, Marcelo começou a reunir e-mails mostrando que Ferro participara de aparentes crimes ao lado dele próprio e de dirigentes da Odebrecht e Braskem que não se tornaram delatores, como Newton de Souza, que ocupou a presidência da Odebrecht quando Marcelo foi preso.
A Braskem é o braço petroquímico da Odebrecht em sociedade com a Petrobras. Com a medida provisória editada em dezembro de 2009, a dívida tributária da Braskem caiu de R$ 5,5 bilhões para R$ 1,9 bilhão.
Ferro e Newton de Souza, ex-presidente da Odebrecht que se orgulhava de ter conduzido o acordo do grupo, tornaram-se réus no mesmo processo da suposta compra da medida provisória após Marcelo enviar à força-tarefa da Lava Jato mensagens em que eles discutiam estratégias ou eram informados dos passos que a empresa dera para negociar a MP”em troca de propina.
À época da negociação da medida provisória, Ferro era diretor jurídico da Braskem. Newton, que fora escolhido para ocupar o cargo máximo do grupo, o de presidente do conselho, caiu após Marcelo mostrar que ele sabia da prática de suborno da empresa.
A MP, segundo Marcelo, foi acertada com o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e Antonio Palocci, deputado federal pelo PT à época.
Numa das mensagens que Marcelo encontrou em seu computador, Ferro diz o seguinte após ser informado que haveria um encontro com Mantega: “No assunto IPI, vale a pena reconfirmar o compromisso da MP e da contra-partida”.
A contrapartida era propina de R$ 50 milhões, ainda de acordo com Marcelo. Em depoimentos à Justiça, ele confirmou que Ferro sabia do caixa dois e que “era o responsável pelas tratativas deste tema [MP] junto ao Ministério da Fazenda”.
Mantega e o PT negam que a MP tenha sido comprada por R$ 50 milhões. Eles dizem que a medida foi necessária para proteger empresas da crise econômica de 2009.
A reportagem não conseguiu localizar a defesa de Ferro nem a de Souza.
Folhapress