Por Gabriela Kopinits
Engana-se quem pensa que sim. A literatura dita infantil surgiu com o advento da classe média, da burguesia mais atuante,no século XVII. Antes disso, as crianças eram vistas como adultos em miniatura, com atribuições semelhantes aos dos adultos. Sua educação, costumes, entretenimentos e papel na sociedade não diferiam muito da dos pais.
Não havia esse conceito que temos hoje de que são seres tenros que precisam de uma educação especial, baseada em parâmetros pedagógicos e psicológicos. Naquela época, crianças eram apenas isso: adultos em menor escala. Seus divertimentos eramosmesmos de todos. Música, canto, esportes, estórias. O que osadultosfaziam, as criançastambémpodiamfazer.
Como tal, os contos que hoje chamamos de fadas não foram imaginados para crianças. Eramcontados para adultos, tanto emelegantessalõesquantonasrodassuburbanas. As estórias nada tinham de inocente, elementos como bárbaros assassinatos, adultério, incesto, pactos com demônios não seriam particularmente indicados para ouvidos infantis.
As “Fábulas”, publicadas entre 1668-94, de Jean de la Fontaine, por exemplo, eram mais anedotas, com as quais ele costumava deliciar os frequentadores dos mais célebres salões parisienses, como o do ministro do Tesouro de Luís XIV, Nicolas Fouquet, onde as falhas de caráter, vícios e maldades humanas eram transportadas para personagens do reino animal, do que precisamente contos direcionados ao público infantil.
Aliás, muitas das fábulas de La Fontaine foram inspiradas no trabalho de Esopo, um escravo nascido na Frígia em 620 AC, célebre pelos contos bemhumorados sobre valores como honestidade, trabalho e lealdade, de narrativa simples e que sempre deixavam uma edificante conclusão – a “moral da estória”. Entre oscontosmaisfamosos dele estão “A Raposa e as Uvas”, “A Lebre e a Tartaruga” e “A Cigarra e a Formiga”.
A tradição dos contos narrados por babás ou carinhosas avozinhas, no entanto, só surgiu em 1697, com a publicação dos “Contos dos Tempos Passados”, do francês Charles Perrault, cujo subtítulo “Contos da Mamãe Gansa” se tornou mais conhecido entre nós. Este era umacoletânea de oitocontos que ganhoumaistrêsnumaedição posterior. Os contos que faziam parte desse que é considerado o primeiro livro de contos de fadas foram: A Bela Adormecida no Bosque, Chapeuzinho Vermelho, O Barba-Azul, O Gato de Botas, As Fadas, A Gata Borralheira (Cinderela), Rique, o Topetudo, O Pequeno Polegar. Oscontos que foramincluídosdepoisforam: Pele de Asno, OsDesejosRidículos e Grisélidis.
Muitas das estórias de Perrault, no entanto, já eram conhecidas sob outras versões, até mais picantes, tendo figurado em coletâneas como a dos italianos Giovanni Straparola e GiambattistaBasile. Nenhuma delas indicada para crianças, diga-se de passagem.
O primeiro livro realmente direcionado a elas foi uma coletânea de cantigas infantis, publicado por Mary Cooper em 1744, cujo sugestivo título era “Para Todos os Pequenos Senhores e Senhoritas”.A segunda coletânea foi “Melodia de Mamãe Gansa”, atribuída ao livreiro John Newbery, em 1760, considerado o primeiro a descobrir e explorar o mercado de livros para crianças.
Oscontosdestetrabalho nada maiseram do que estórias de livros para adultosencurtadas, adaptadas, ilustradas e postasnumlivromenor e menospesado para que as criançaspudessemmanuseá-lo semdificuldade.
Os próximos cem anos não produziram nada de muito significativo, exceto a coletânea dos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm: “Contos de Fadas para Crianças e Adultos”, publicada em alemão entre 1812 e 1815 e traduzida para o inglês em 1823. Oscontosdesselivro, muitos de escritoresanteriorescomo Perrault, tinham o propósito de ensinarvaloresmorais e acabaram por se tornarosmaispopularesemtodo o mundo.
Em 1835 foi a vez do dinamarquês Hans Christian Andersen maravilhar o mundo com o seu “Contos para Crianças”. Entre os contos que figuravam nessa obra estavam:
O Pequeno Claus e o Grande Claus, A Princesa e a Ervilha (Uma Verdadeira Princesa) e As Flores da Pequena Ida.Mais tarde, ele publicou vários outros contos como: As Roupas Novas do Imperador, O Patinho Feio, A Rainha da Neve, O Rouxinol, Sapatinhos Vermelhos, A Pequena Vendedora de Fósforos, O Soldadinho de Chumbo e A Pequena Sereia.
Pela relevância de seu trabalho, Andersen é considerado o precursor da literatura infantil mundial. Tanto que a data doseunascimento, 2 de abril, tornou-se o DiaInternacional do LivroInfanto-Juvenil e a medalha Hans Christian Andersen é concedidaaosmelhores da categoriapeloConselhoInternacional de Livros para Jovens – a IBBY. A primeirabrasileira a ganharessamedalhafoiLygiaBojunga Nunes, em 1982, premiadapelo conjunto de suaobra.
Outro grande autor, não muito conhecido por aqui, foi o escocês Andrew Lang que publicou, em 1889, “The Blue Fairy Book”, mais uma coletânea de contos de fadas, só que devidamente “purificados”. Quem for ler qualquer um dos contos de fadas dos vários livros de Lang – The Yellow Fairy Book, The Red Fairy Book, The Green Fairy Book, The Violet Fairy Book e The Crimson Fairy Book- vai perceber que houve ali uma discreta censura vitoriana.
No Brasil, o maior expoente da literatura infantil é Monteiro Lobatomas antes dele, já tivéramos bons trabalhos como a comédia infantil “O Gorro de Papai”, escrita em 1880 pelo conde Afonso Celso de Assis Figueiredo Júnior, filho do visconde de Ouro Preto (um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras), e o maravilhoso “Contos das Mil e Uma Noites” do Malba Tahan (pseudônimo do professor Júlio César de Mello e Souza), publicado em 1925.
De lá para cá, muitos outros grandes autores foram revelados e livros maravilhosos publicados. A lista é tão extensa que não caberia em mil artigos. Para conhecê-los, basta uma visita à livraria ou um passeio pela biblioteca. Permita-se esse encantamento. Sonhar, como diria o poeta, é preciso!
Gabriela Kopinits é jornalista, escritora e contadora de estórias