Vinte e quatro deputados que votaram pela aprovação da minirreforma eleitoral não teriam sido eleitos caso as regras propostas no texto estivessem em vigor no pleito do ano passado. Os dados são de um levantamento da Consultoria Legislativa da Câmara, obtido pelo Globo.
De acordo com a pesquisa, as mudanças nas regras das sobras eleitorais fariam com que 36 parlamentares de 14 partidos não conquistassem suas cadeiras no Congresso Nacional. Entre os nomes que teriam sido afetados, 24 deram aval à proposta, que agora tramita no Senado, 6 estavam ausentes e um se absteve. Apenas cinco foram contrários.
O texto aprovado em plenário com 367 votos favoráveis altera as regras das “sobras” — cadeiras não preenchidas na primeira etapa da disputa.
Caso esta lei valesse em 2022, nomes como Beto Richa (PSDB-PR), Silvia Waiãpi (PL-AP), Eli Borges (PL-TO), Lídice da Mata (PSB-BA) e Maria Arraes (Solidariedade-PE) não teriam sido eleitos. Dos citados, apenas Waiãpi votou contra o projeto. (Veja o posicionamento dos demais no final da matéria)
Entre os partidos, o PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro, teria sido o mais afetado. A bancada de 99 integrantes ficaria com menos seis membros. A lista tem ainda PP (5), MDB (5) e PSB (4). O PT de Lula, por sua vez, não teria perdido nenhum parlamentar.
Entenda a legislação
Atualmente, as vagas são, em um primeiro momento, preenchidas por partidos que tenham atingido o quociente eleitoral (número total de votos válidos divididos pelo número de assentos no parlamento), conta que regulamenta quantas cadeiras cada sigla tem direito a receber. Ainda nesta etapa inicial da distribuição, o candidato também deve atingir 10% do quociente partidário para estar apto a assumir o mandato.
No entanto, com as frações dos partidos e a ausência de candidatos que tenham atingido os requisitos, há uma sobra de vagas, que passam a ser ocupadas por siglas que tenham alcançado 80% do quociente eleitoral, permitindo que partidos com menos recursos concorram às vagas. Além disso, é exigido que os postulantes tenham obtido no mínimo 20% do quociente, o dobro do percentual anterior. Contudo, a legislação não detalha o que acontece caso ainda restem cadeiras vazias após essa segunda etapa, o que chega a gerar conflitos judiciais.
A minirreforma altera os parâmetros de escolha e propõe um sistema polifásico. Na primeira fase, continuaria em uso a formatação atual. Nas etapas seguintes, porém, seria mantido o percentual mínimo de 100% do quociente eleitoral para que os partidos, coligações ou federações possam emplacar um parlamentar. No caso dos candidatos, por outro lado, a fatia necessária do quociente para assumir uma cadeira passaria a ser reduzida gradativamente a partir dos 10% iniciais, podendo chegar a um índice ínfimo.
Para especialistas, a nova regra, se aprovada, dificultaria a inserção de partidos menores nas Casas Legislativas e possibilitaria que, em municípios menos populosos, uma única sigla chegue a dominar todas as cadeiras. Esta é a avaliação de Alexandre Basílio Coura, advogado da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep):
— Atualmente, só 14 partidos têm poder de disputa no Brasil por receberem fundo partidário. Há uma grande chance, em estados e municípios menos populosos, que apenas uma sigla atinja o quociente eleitoral. Nesse sistema polifásico, um só partido ficaria com todas as vagas, mesmo que os candidatos não tenham alcançado o percentual mínimo de 10%.
O especialista usa o exemplo do Amapá para explicar a questão. No estado, no ano passado, apenas o PDT alcançou o quociente eleitoral. Ou seja, o partido teria todas as cadeiras amapaenses na Câmara dos Deputados caso essas regras já valessem.
Impacto político
Antes da aprovação, a deputada federal Adriana Ventura (NOVO-SP) fez um apelo em plenário contra a proposta.
— Tem deputado defendendo essa proposta, sendo que se ela já estivesse valendo, ele mesmo não estaria aqui. Estamos votando para que partidos com números expressivos de votos não tenham direito a entrar pelas sobras — disse Ventura.
O Globo