A economia brasileira caminha para registrar mais um ano perdido. Ao menos é essa a visão dos especialistas, caso o crescimento fique mesmo próximo de 1%, como indica a onda de revisões feitas por instituições financeiras nas últimas semanas. Economistas ouvidos pela reportagem falam em crescimento medíocre ou frustrante, levado por um novo componente: os riscos ligados à política econômica.
“Qualquer crescimento mais próximo de 1% representa um ano perdido e traz uma sensação muito próxima ao de uma parada súbita”, diz Silvia Matos, pesquisadora do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia) da Fundação Getulio Vargas. O governo, afirma a economista, precisa criar um ambiente favorável ao investimento, reduzir a incerteza política e –fato inesperado, que não estava no radar dos especialistas há algumas semanas– evitar riscos à política econômica.
“Qual vai ser o preço do diesel? A reforma sai quando?”, questiona Matos para exemplificar as preocupações que despontam. Coordenadora do boletim de macroeconomia da instituição, Matos prevê crescimento econômico entre 1,5% e 2% em 2019, mas avisa: o risco é para baixo. Segundo a economista, crescer 1% em 2018 foi compreensível, considerando a baixa popularidade de Michel Temer, a paralisação dos caminhoneiros, o mau humor externo em relação aos emergentes e o turbulento processo eleitoral. “Repetir isso em 2019 é inaceitável. Não há o que culpar.” Os indicadores econômicos já conhecidos não são bons.
A indústria patina influenciada pelo efeito da crise argentina sobre o setor automotivo somado a uma piora da demanda interna identificada a partir março. Nas contas do Ibre, um indicador importante do apetite por investimentos que mede a demanda por máquinas e equipamentos deve crescer apenas 1% no primeiro trimestre sobre igual período de 2018 –algo pífio diante da queda acumulada de cerca de 30% do investimento na economia durante a recessão.
Essa falta de ânimo para investimentos se traduz em fraqueza do emprego, cuja reação ainda se dá pela informalidade. Mesmo as vagas formais geradas no mercado de trabalho, medidas pelo Caged, vêm basicamente do setor de serviços, que paga menores salários. Economistas até esperam que o consumo das famílias cresça um pouco acima do PIB em 2019, em razão dos juros mais baixos e da lenta retomada do crédito, mas em ritmo insuficiente para fazer girar com mais força a economia.
A percepção é que o otimismo, que deu o tom na virada do ano, se reverte de modo profundo e rapidamente. Samuel Pessôa, sócio da consultoria Reliance, pesquisador da FGV e colunista da Folha de S.Paulo, afirma que houve frustração precoce com o governo de Jair Bolsonaro porque se imaginava que a reforma da Previdência seria encaminhada rapidamente e o país voltaria a andar. “A política é muito ruim, o que não é de surpreender, porque Bolsonaro avisou. Ele não entende que um governo de coalização compartilha poder para negociar um projeto de país”, diz Pessôa.
Assustam muito, afirma o economista, os sinais de fraqueza dados por um governo recém-empossado. “Se no começo de mandato ele não consegue controlar grupos de pressão, o resultado é que todo o mundo vai querer tirar uma casquinha”, diz. “Temos um governo com sinais muito ambíguos”, diz Marcos Lisboa, presidente do Insper e também colunista da Folha de S.Paulo. “Ele aprovou benefícios para a Sudam e a Sudene [autarquias de desenvolvimento regional], restrição ao comércio de leite e de banana, regras de conteúdo nacional. Que agenda liberal é essa?”. Outro exemplo dúbio, afirma Lisboa, foram as idas e vindas em relação ao preço do diesel.
“Foi um ruído desnecessário que revela falta de conhecimento das práticas de gestão de uma empresa estatal.” A falta de organização de uma agenda econômica capaz de dar origem a um crescimento sustentado, diz ele, causa até pena. “O que veio foi na contramão de uma agenda de crescimento. Foi restabelecer o governo Dilma”, diz. Da parte dos empresários, o desconforto se reflete nos principais indicadores de confiança da FGV. Após uma recuperação na virada do ano, o sinal se inverteu de forma generalizada. Os indicadores da instituição apontam queda na confiança na indústria, no comércio, no setor de serviços e até entre consumidores.
Guilherme Leal, da Natura, vê preocupação com a articulação entre Executivo e Legislativo. “Não é a melhor, para ser bastante diplomático.” A queda da confiança ocorre em razão da imaturidade do governo, diz Júlio Cesar Lobato, presidente do grupo Trasmontano. Para Lobato, o mais preocupante são as intervenções na economia. “Paulo Guedes aguenta isso até onde? O casamento vai até quando? Se ele sai, acaba de vez o governo.”
Para Caito Maia, presidente da Chilli Beans, existia uma expectativa de que o governo poderia ter feito mais coisas no início do ano. “Mas minha expectativa nunca foi que eu ia arrepiar neste ano, sempre foi a de que seria melhor que o ano passado, e deve ser. Sigo otimista”, afirma. Carlos Santa Cruz, presidente da fabricante de embalagens Bemis América Latina, aponta a desaceleração do mercado em março, mas se diz ainda otimista. “Depende muito do foco do governo como um todo.”