O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), liberou o uso de regras fiscais mais flexíveis para o combate ao coronavírus e para a proteção da população afetada pela crise. O magistrado autorizou o governo a criar despesas para enfrentar a pandemia sem apontar a origem das receitas.
Moraes atendeu a um pedido da AGU (Advocacia-Geral da União), que afirmava que as exigências estabelecidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal e pela Lei de Diretrizes Orçamentárias poderia prejudicar, neste momento, a garantia do direito à saúde.
A decisão, segundo o magistrado, se aplica também aos estados e municípios que decretarem estado de calamidade pública. Os governos poderão seguir regras mais flexíveis não apenas nas despesas de saúde, mas também no socorro a empresas, na cobertura da população mais vulnerável e na proteção do mercado de trabalho.
O ministro argumentou que a pandemia “representa uma condição superveniente absolutamente imprevisível e de consequências gravíssimas, que afetará drasticamente a execução orçamentária”, o que tornaria “impossível o cumprimento de determinados requisitos legais compatíveis com momentos de normalidade”.
A decisão deve abrir caminho para a apresentação de novas medidas para tentar preservar empregos durante a crise do coronavírus. O governo hesitava em anunciar esses programas antes de uma decisão do STf para afrouxar as regras fiscais.
As duas leis –a de Responsabilidade Fiscal e a de Diretrizes Orçamentárias– exigem que o governo mostre como vai custear novas despesas, prevendo um crescimento de receitas para bancar os gastos a serem criados. Com a queda da atividade econômica provocada pelas medidas de contenção da transmissão do novo coronavírus, o prognóstico é de baixa na arrecadação e de alta nas despesas.
Um exemplo é a proposta do ministro Paulo Guedes (Economia) para que patrões possam reduzir a jornada e salário do funcionário, mas garantindo que os cofres públicos cubram uma parcela ou integralmente a renda do empregado. A ideia é tentar evitar demissões durante a crise.
A medida, portanto, tem impacto nas contas públicas. Uma parte da equipe econômica tinha receio de lançar esse plano sem a certeza de cumprimento das regras. Por isso, a AGU acionou o STF na noite de quinta-feira (27) com um questionamento sobre as leis fiscais.
O pedido era para que programas de proteção de estímulo econômico e proteção social pudessem ser adotados durante a pandemia sem que a compensação orçamentária (previsão de receita) fosse obrigatória.
Para ter segurança jurídica, a equipe econômica preferia esperar o posicionamento do STF sobre o caso e, então, apresentar oficialmente medidas trabalhistas, já anunciadas.
Isso, contudo, não era unanimidade dentro do time de Guedes. Alguns técnicos defenderam que o programa de combate às demissões em massa já poderia entrar em vigor.
O plano seria colocado em prática por MP (medida provisória). Ou seja, a flexibilização das regras trabalhistas durante a pandemia passaria a valer logo após a publicação do texto, mas a proposta precisará do aval do Congresso em até 120 dias para não perder a validade.
A MP que permite o corte de jornada e de salários de trabalhadores da iniciativa privada e a compensação de renda a ser paga pelo governo deverá representar um custo maior que o estimado inicialmente – R$ 36 bilhões – para os cofres públicos.
Até quinta, o modelo em estudo por Guedes previa uma compensação maior às remunerações mais baixas e a garantia de pagamento próximo ao integral para quem ganha até três salários mínimos (R$ 3.135).
Mas o núcleo político do governo defende que o programa de proteção ao emprego seja mais amplo, e não limitado ao salário de R$ 3.135. O Ministério da Economia estuda o pedido.
As mudanças trabalhistas são aguardadas por empresários, que pressionam o governo por medidas de alívio de custo imediato diante da forte queda no consumo com a expansão dos casos confirmados da Covid-19.
Na noite de domingo (22), foi editada às pressas uma MP que flexibilizou regras para férias, banco de horas e trabalho à distância. Técnicos temiam que, já na segunda (23), ocorresse uma demissão em massa se o governo não agisse.
A primeira versão do texto também previa que patrões poderiam suspender contratos de trabalho por até quatro meses, mas não deixava claro que o trabalhador temporariamente dispensado teria uma contrapartida da empresa ou do governo.
Diante da repercussão negativa, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) teve que derrubar esse trecho até que a medida estivesse integralmente em vigor.
A trapalhada foi causada por falhas no time de Guedes. A equipe responsável pela MP com medidas de impacto fiscal (que elevam gastos) ainda não havia concluído a proposta – também por causa de preocupações jurídicas.
Por causa do coronavírus, o Congresso aprovou o pedido de Bolsonaro, reconhecendo estado de calamidade pública. Assim, o governo fica desobrigado a cumprir a meta de resultado primário (diferença entre receitas e despesas federais, sem contar os gastos com juros da dívida pública) deste ano.
Folhapress