ARTIGO — Para não resumir a maternidade

Fernanda Zacharewicz

No dia em que pedi demissão da universidade, apenas por um motivo criei meu perfil no Facebook: eu iria sentir muita falta da sala dos professores na clínica escola, talvez pudesse ser um espaço de interação. Desde então, compartilho, comento, fico sabendo dos eventos de psicanálise… Eis que sou convidada para aquele desafio “10 dias, 10 fotos”. Eu sempre me perco neles. Pulo dia, esqueço a contagem, acho que nunca cheguei ao final de um. Já desisti. Mas esse ficou voltando aos meus pensamentos. “10 dias, 10 fotos sendo mãe”.

Eu vi que as que participavam eram mães de bebês, ou de filhos ainda pequenos. Apareciam amamentando, dando colo, na maternidade, levando pela mão. Eu tenho duas filhas adolescentes; buscar fotos assim implicaria ir aos álbuns, selecionar, escanear, trabalho que levaria dezenas de horas. E ainda que dedicasse esse tempo, eu não ficaria satisfeita com o resultado. Isso foi parte de minha vida enquanto mãe. Parte, não toda. Minhas fotos atuais revelam outra maternidade.

Nos primeiros cliques dessas bebês, eu estou sempre na foto. Capturado na imagem está o meu olhar, o encantamento pelo sujeito que, acolhido em meus braços, também me olha e aos poucos se forma. Um pouco mais tarde, aparecemos lado a lado. Nossos olhares aí já compartilham muitas vivências, são os parabéns nas festas de aniversário, as viagens familiares. Depois elas passam a aparecer sozinhas, mas quando vejo as fotos desses anos, lembro a circunstância do clique, o meu olho atrás do visor da câmera, o tempo que se funde ao observar a bebê que era e o sujeito que é por si mesmo. Os laços sociais delas se ampliaram, há os eventos escolares, as apresentações artísticas. As fotos atuais posicionam meu olhar em outro lugar: só as vejo quando publicadas nas redes sociais. Eu não estou aí segurando a minha cria, não fui eu quem clicou, ela está em um lugar aonde eu nunca fui, com amigos que não sei quem são. Volto o meu olhar para trás, deixei cair algo no meio do caminho?

Ah! A nostalgia que me invade ao escrever este texto dá notícias do bebê tido como reencontro com o objeto perdido e que, logo em seguida, revela-se impossível de ser recuperado, pois uma vez marcada a castração, não há caminho de volta. Sim! Algo se perdeu no caminho. Algo eu escolhi perder quando eu mesma era bebê, e algo perdemos juntas, eu e cada uma das minhas filhas. Eu dando espaço para que elas pudessem escolher perder o objeto e, sozinhas, trilhar um caminho, certamente compartilhado, mas, com os próprios pés, abrindo uma picada no mato, o que supõe os tropeços nos galhos caídos por aí.

Como ser mãe agora? Vou inventando, talvez eu possa ainda fornecer botas adequadas para a trilha, lembrar que podem pedir um cajado para auxiliar nos trechos mais íngremes. Pouco a pouco, elas mesmas se lembrarão sozinhas de trocar os calçados muito gastos ou saberão quando pegar ou abandonar o cajado. E eu serei mãe de outra forma, de uma maneira que não tenho nem ideia. Certamente seguirei, inventarei um jeito.

O desafio “10 dias, 10 fotos sendo mãe” se estende além da mídia. E se modifica. Talvez seja mais adequado algo como “70 anos, 70 momentos sendo mãe” – pois isso incluiria também alguns dos meus tropeços (por sorte raramente registrados!). Então, como parte do catálogo, encontraríamos: o dia em que eu esqueci a bebê no carro; quando esqueci de buscá-las na escola; quando eu busquei uma só na escola e, no portão de saída, exclamei: “Ah! Tenho outra filha, tenho que pegar!”; ou quando, a -20ºC, andamos perdidas por cinco horas, pois eu havia pegado a trilha na direção oposta. Ou ainda o belo diálogo que tive com a mais velha em uma caminhada no lago; e a compra do uniforme de balé no primeiro ano da mais nova no estúdio de dança…

Pedro Augusto é jornalista e repórter do Jornal VANGUARDA.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *