Governo adia decisão sobre mudanças que prejudicariam uso de biocombustíveis

Entidades do mercado de biodiesel no Brasil passaram por um momento de alívio na última semana: o governo federal recuou de uma série de mudanças planejadas para o setor. Segundo especialistas, elas prejudicariam a produção do biocombustível. Em reunião extraordinária realizada na quinta-feira, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) vetou três medidas: a abertura o mercado nacional de biodiesel de importações, as alterações no Selo Biocombustível Social e a permissão para o acréscimo de outros tipos de biocombustível na mistura obrigatória.

“Eram três pontos que vínhamos acompanhando com muita preocupação”, resume o presidente da Frente Parlamentar Mista do Biodiesel (FPBio), deputado federal Pedro Lupion (PP-PR). Para reverter a discussão, o presidente da Frente afirmou ter realizado intensas articulações com todos os ministérios que têm assento no CNPE. Compõem o colegiado o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque; o ministro Chefe da Casa Civil da Presidência da República, Ciro Nogueira; o ministro das Relações Exteriores, Carlos França; e demais ministros de Estado, além de representantes dos estados e do Distrito Federal e representantes da sociedade civil.

“Nós chegamos a um consenso, juntamente aos ministros, para que isso não fosse pautado. Foi uma vitória importante para o setor. O próprio ministro Bento Albuquerque tem falado, nas últimas semanas, sobre a valorização do setor, da valorização da produção de biodiesel, de uma provável previsão de incremento da mistura já no plano plurianual de política energética. A tendência é de que as coisas melhorem para o setor, principalmente devido às últimas semanas, a essa queda acentuada do dólar e também a essa estabilização no valor do barril de petróleo”, destaca o parlamentar.

O aumento no incremento da mistura começou a ser estudado pelo governo federal, a fim de retomar os parâmetros da pré-pandemia. Há uma pressão dos produtores de biodiesel e da cadeia produtiva da soja para que o Ministério das Minas e Energia acrescente 12% de biodiesel, a partir do mês de maio, ao diesel comum encontrado nas bombas dos postos de gasolina — hoje a mistura conta com 10%.

Programa
O Brasil faz uma transição planejada para uma matriz energética mais limpa e sustentável. A política pública do biocombustível estabeleceu cronograma de adição crescente de biodiesel (majoritariamente fabricado a partir de óleo de soja) ao diesel de petróleo. O compromisso está descrito no Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) e segue progredindo com a Política Nacional de Biocombustíveis, o RenovaBio.

O programa foi criado após a conferência sobre a mudança climática de Paris em 2015 (COP 21), com o intuito de maximizar o potencial produtivo do Brasil. O RenovaBio trouxe uma série de iniciativas, como a criação de instrumentos financeiros para atrair investimentos com foco na expansão da produção de biocombustíveis. A política estabelece em lei a progressão da mistura de biodiesel no diesel fóssil. A transição previa que a mistura já contasse com 14% de biodiesel (B14), a partir de março de 2022, e que, em um ano, passasse a ser de 15% (B15), em março de 2023.

“Desde 2020, houve reduções significativas na mistura compulsória do biodiesel ao diesel, devido a diversos fatores, entre eles, a crise econômica advinda da pandemia e os consequentes elevados preços que os combustíveis e os biocombustíveis assumiram. A redução causou impactos ambientais e econômicos negativos, foi uma regressão, no sentido de redução das emissões de gases de efeito estufa”, explica a engenheira de Energia pela Universidade de Brasília (UnB) e doutoranda em Bioenergia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Thaynara Espíndola Pereira.

Políticas públicas
Para a engenheira, os biocombustíveis são a ferramenta estratégica de maior relevância que o Brasil possui para reduzir emissões. Porém, a produção só atingirá seus objetivos ambientais com o apoio das políticas públicas integradas ao setor produtivo e desenvolvimento tecnológico.

“Os biocombustíveis são extremamente necessários para a garantia da segurança do abastecimento no país, possuímos um potencial gigantesco de produção nacional, que ainda precisa ser explorado e maximizado, o que promoverá a redução da dependência de importação de combustíveis”, destaca a especialista.

As decisões tomadas pelo governo que pautaram a redução do biodiesel na mistura para o ano de 2022 são alvo de críticas do setor. “Sob qualquer ponto de vista, a decisão do governo federal de adotar o teor de mistura de 10% para 2022 é um equívoco”, pontua o presidente do Conselho de Administração da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio), Francisco Turra.

“Ela penaliza o setor, gera desemprego em toda a cadeia do agronegócio, promove desinvestimento, aumenta a poluição — que afeta a saúde da população, a inflação e prejudica a economia. O governo descaracteriza o RenovaBio e quebra a segurança jurídica e a previsibilidade para o setor, que vinha investindo muito para se capacitar e atender o aumento progressivo da mistura.”

Papel social da indústria
O Brasil tem 55 usinas com autorização para produção de biocombustíveis. Outras 11 unidades estão em construção e há mais 4 plantas em processo de ampliação para produção de energia limpa. A cadeia produtiva do biodiesel envolve 74 mil famílias de agricultores que fornecem matérias-primas para as usinas. Essa é uma das contrapartidas sociais do programa de biodiesel no país.

Muito dessa cooperação se dá por meio do Selo Biocombustível Social, um componente de identificação concedido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Conforme a norma vigente, as indústrias que detêm esse selo têm prioridade na comercialização de 80% do biodiesel.

“Em termos de geração de emprego e renda, as indústrias de biodiesel promovem assistência técnica e fomentam todo o processo produtivo dessas famílias e agricultores. O valor destinado à assistência técnica pela Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater) é praticamente um terço do que as empresas de biodiesel gastaram com assistência técnica para essas famílias”, explica o diretor superintendente da Ubrabio, Donizete Tokarski.

Ele destaca que o biocombustível não deve ser utilizado como política de preço — exatamente a estratégia do governo, ao reduzir a mistura do biodiesel na tentativa de baixar o valor do diesel nas bombas. Segundo o especialista, para compreender a importância do uso do biodiesel é preciso olhar para o valor. “O combustível fóssil mata as pessoas, ele causa doenças pulmonares, cardiovasculares. De acordo com estudos do Ministério de Minas e Energia, somente na região metropolitana de São Paulo, o uso de 10% do biodiesel no diesel evita a morte de 244 pessoas por ano”, detalha.

“Tem muito mais a ver com valor ambiental, redução de gás de efeito estufa, redução de enxofre, redução de material particulado, redução de hidrocarboneto e tantos outros produtos e são nocivos à saúde.”

Desafios do setor
Os maiores desafios enfrentados pelo setor de biocombustíveis podem ser resumidos em três aspectos: visibilidade, planejamento e previsibilidade. É o que enumera o presidente do Conselho de Administração da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio), Francisco Turra. “A visibilidade para que todos reconheçam a sua importância; planejamento e previsibilidade para que o setor se mantenha organizado de forma a garantir avanços ainda maiores na transição da matriz energética brasileira para um modelo mais limpo; e contribuição para antecipar o cumprimento das metas de descarbonização estabelecidas na COP26.”

Correio Braziliense

Pedro Augusto é jornalista e repórter do Jornal VANGUARDA.

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