José Múcio: “A gente não pode ficar com meio Brasil torcendo para meio Brasil dar errado”

Ministro da Defesa, o pernambucano José Múcio encarou um dos maiores desafios já enfrentados por um titular da pasta: lidar com o episódio do último dia 8, quando terroristas invadiram e depredaram os prédios dos Três Poderes. Nesta entrevista exclusiva para o jornalista Magno Martins, em Brasília, Múcio conta detalhes. Confira.

O senhor esperava, nesta altura da sua vida, pegar tamanho abacaxi?

Eu não podia me negar. Primeiro, sou um grande refém da gratidão. O presidente Lula, quando me convidou para esse desafio, fez um apelo para que viesse, não podia negar. Evidentemente que estava em uma zona de conforto, já usufruindo mais do convívio da minha família, mas eu tinha que dar a minha participação. Eu vim contribuir. Eu não tenho projeto político, não sou filiado a nenhum partido. Já tenho uma folha de serviço prestada ao País e ao Estado grande, mas não podia negar e vim dar a minha contribuição até o dia que o presidente Lula precisar.

O senhor foi escolhido pela fama de conciliador e de bom apagador de incêndios políticos?

Sim. Foi nessa linha. Ele disse que a área precisava de muita conversa, de pacificação, que o ambiente das Forças Armadas não era favorável, mas não houve nenhuma nota contra de ninguém, nem da reserva, nem da ativa, nem da Marinha, Aeronáutica e Exército. Evidentemente que tivemos algumas turbulências, mas o ambiente está pacificado.

Turbulências a partir do dia 8 de janeiro, inclusive, com especulações de que o presidente Lula não tinha gostado do desempenho do senhor naquele momento. Foi fogo amigo.

Fogo amigo, claro. Se eu vim para negociar, não podia agredir o público-alvo da negociação. Muitas pessoas se queixaram porque eu disse que esses movimentos eram democratas. E como eu estava negociando, conversando. A negociação pressupõe renúncia dos dois lados. Ou se abre mão das duas partes ou não dá certo. Eu não podia acusá-los de nada porque eu estava conversando com todos eles. E foi isso o que aconteceu. E repito, se não fossem os baderneiros, se não fossem os vândalos que quebraram o patrimônio público, podemos dizer que as coisas estavam funcionando da forma que nós esperávamos. Evidentemente que podemos dizer que o dia 8 foi uma nódoa que nós temos, mas uma vitória da democracia também. Eu digo que deram ao presidente Lula um quarto mandato. Foi um desafio para toda a sociedade, mas mostrou que as nossas instituições estão fortes, são sólidas e que foi uma vitória da democracia.

O senhor teve a sensação de os acampados estavam querendo uma vítima, caso houvesse a retirada deles dos quartéis à força?

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Se nós não tivéssemos agido dessa forma, por exemplo, sem diálogo, sim. Se tirássemos à força o pessoal na véspera, será que a ordem iria ser cumprida? Será que isso não teria sido o estopim para um movimento qualquer desse que nós não desejávamos tivéssemos tido início? Não foram aqueles 200 que estavam lá na antevéspera. Agora se você me perguntar se houve algum erro. Eu acho que o fato de ter se permitido, porque havia a proibição dos ônibus entrarem na área militar, mas se permitiu a entrada das pessoas. Eu acho que a partir disso foi que se deu esse problema, mas o maior problema foi porque não contávamos com a participação da Polícia Militar do GDF que ficou encarregada de conter os movimentos na rua e eles não cumpriram o que haviam prometido prometeram.

Agora, a Esplanada estava fechada, por que ela foi reaberta justamente no dia?

Ela não foi reaberta, simplesmente a polícia do GDF não veio. Eles entraram porque não tinham quem proibisse a entrada, de maneira que foi uma coisa que não era para ter acontecido e infelizmente aconteceu.

O governador de Brasília foi afastado. Ele está pagando esse preço sozinho?

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Só quem pode dizer isso é a justiça. Os fatos estão sendo apurados, nós estamos torcendo para que os inocentes não paguem, mas torcendo para que os culpados paguem para que isso não sirva de estímulo a novos movimentos daqueles que lhe asseguro que jamais acontecerá outra vez.

Sobre esse ajudante de ordem bem próximo do Bolsonaro, o tenente-coronel Cid, qual será o destino dele?

Temos que fazer duas análises. As coisas nas Forças Armadas são resolvidas com muita antecedência. Em maio do ano passado, antes de eleição, ao saber quem iria vencer as eleições, ele foi, dentro dos critérios que o Exercício usa, designado que em março de 2023 assumiria um comando do Estado de Goiás. Depois disso, agora no final, algumas suspeitas no campo da Justiça foram levantadas. Ele tinha duas formas de enfrentar isso. Uma como comandante – e foi isso o pivô de todo o problema que nós enfrentamos – e outra como pessoa física. Os amigos dele, conversei com alguns, achavam que se ele enfrentasse à Justiça na pessoa física dele, poderia ter a sensibilidade das pessoas, teria tido talvez o apoio de alguns amigos, fosse mais fácil do que enfrentar do que como comandante de batalhão. E ele ouviu o conselho dos amigos, o que foi ótimo para ele e para todos nós, e pediu ao comandante dele um adiamento. Na linguagem deles, adiamento não é que iria tomar posse em março de 2023, passaria para abril ou maio. Ele voltou à fila e vai passar este ano todo novamente em processo de seleção, e daqui a um ano, em 2024, provavelmente em março e abril, como eles fazem sempre, ele assumirá um outro posto de comando depois que resolver e responder as questões que ele tem em outro poder, que é na Justiça.

Que foram levantadas agora, inclusive de caixa 2.

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A gente vive muito de fake news. Ele vai ter a chance de perante a justiça de dizer o que é fato e justificar o por que fez.

O senhor disse que já pacificou as Forças Armadas. Tem certeza disso?

Eu não quero dizer que pacifiquei as Forças. Acho que precisamos pacificar o País. A gente não pode ficar com meio Brasil torcendo para meio Brasil dar errado. Todos nós seremos vítimas se esse Brasil piorar. A gente tem que trabalhar para quem está no governo acertar. É como está no avião e a aeromoça dizer que o piloto é seu inimigo e você torce para ele fazer uma bobagem com você dentro. Você tem que torcer para que ele pouse. Acho que o presidente que não ganhou a eleição saiu fortalecido, porque saiu com quase metade do povo brasileiro. Cabe agora durante esses quatro anos a parte vencedora trabalhar para fazer o Brasil que deseja e prometeu e a parte que não foi vencedora trabalhar para se tiver sucesso, retornar ao poder. Isso é democracia. A gente tem que entender os diferentes e conviverem.

O maior desafio de Lula será orçamentário, porque ele conseguiu distribuir o poder dele com todos os partidos da base dele. Mas parece que o orçamento está muito curto, não é?

Muitíssimo curto. É um cobertor curto. Cobre a cabeça e descobre os pés. A gente precisa ter cuidado para que essa partilha atenda às diversas expectativas da sociedade. Temos um desafio muito grande, o dinheiro é muito curto, mas temos que pacificar politicamente o Brasil, isso é importante.

O senhor teme novas manifestações?

Eu torço e acho que todos os brasileiros devem torcer. A gente tem que torcer pela pacificação desse País. A gente precisa encerrar as eleições. Já houve um pleito, já houve um vencedor, já teve um grupo que não venceu as eleições. A democracia é isso. A gente tem que respeitar a vontade da maioria. Se foi muito ou se foi pouco, mas houve uma maioria e temos que torcer porque o presidente da República será o governante dos vencedores e dos não vencedores. Temos que torcer para que o Brasil pacificado, fraterno, somos um povo fraterno, que respeitamos, gostamos de ajudar, ajudamos o próximo e sepultar esse 8 de janeiro e sem esquecer dele para que jamais ele ocorra.

Como o ministro José Múcio, pernambucano, pode ajudar Pernambuco no Ministério da Defesa?

Temos uma obra gigantesca do Exército em Pernambuco, a Escola de Sargento. Um investimento de R$ 1,6 bilhão. É uma parceria com o Governo do Estado, nós vamos fazer absolutamente tudo para viabilizá-lo. É uma obra que vai gerar muitos empregos. Todos os sargentos do Brasil serão preparados em Pernambuco. É uma coisa fantástica. Uma fronteira de desenvolvimento que nós vamos instalar em Pernambuco. Isso passa pelo Ministério da Defesa e todas as vezes que me sinto cansado e quando enxergo e convivo com os problemas daqui, me lembro dessa escola, e é um alento, um combustível que eu tenha força e entusiasmo para trabalhar por isso.

Quando ficará pronta?

Demora. Isso é um projeto muito grande. Tem etapas. Se não me engano, da forma que está, a etapa final é em 2027, mas para que isso aconteça, todos esses anos têm que ser de muito trabalho.

Folhape

Pedro Augusto é jornalista e repórter do Jornal VANGUARDA.

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