Coordenador do Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos da Procuradoria-Geral da República (PGR), o subprocurador-geral Carlos Frederico dos Santos considera que a delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, inclui somente “narrativas” do ex-assessor. Em entrevista ao Globo, Santos ressaltou ser necessário aprofundar as investigações para que elas resultam na apresentação de denúncia contra o ex-chefe do Palácio do Planalto.
Desde o início, a PGR foi contrária ao acordo de delação firmado entre o militar e a Polícia Federal (PF), sob argumento de que não cabe à corporação assinar tal tipo de colaboração. O coordenador evitou, porém, desqualificar a atuação da PF.
— Quando nós temos um acordo de delação, tudo que é dito precisa ser corroborado. Eu não posso dizer que uma peça dessa será proveitosa se isso não acontecer. Não faço críticas à PF nem a quem firmou o acordo, mas meu olhar é do órgão acusador e, nessa perspectiva, pode afirmar que ali há só narrativas e não há robustez para o oferecimento de denúncia — afirmou, ao analisar a delação. — Então, diante de não haver isso, ela é fraca. Mas ressalto que isso não é falha no trabalho de ninguém — acrescentou.
Como O Globo revelou em outubro, em um dos trechos da delação, Mauro Cid afirma que Bolsonaro participou diretamente da discussão a respeito da elaboração de um decreto golpista para impedir a troca de governo após as eleições de 2022. Segundo o depoimento do tenente-coronel, o ex-presidente pediu alteração em uma minuta de documento que determinava a prisão de autoridades e a realização de novas votações no país.
— O delator que se propõe a firmar esse tipo de acordo não basta possuir uma narrativa, ele tem que apontar os participantes de um crime e apontar, pelo menos, os caminhos até as provas para confirmarmos aquilo que ele falou. Por isso, há diversas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) anulando esses acordos porque as acusações se basearam tão somente nas delações — pondera Santos.
O subprocurador-geral afirmou ainda que, em nenhum dos temas mencionados na delação, como a suposta venda de joias recebidas por pelo ex-presidente Bolsonaro em viagens oficiais, Cid apresentou algum tipo de comprovação sobre os fatos expostos na delação.
Embora veja a delação como “fraca”, Santos garante ter solicitado novas diligências a fim de corroborar os supostos crimes descritos no acordo firmado pelo ex-ajudante de ordens com a Polícia Federal.
— Requisitei várias coisas, mas não posso falar sobre isso justamente para não frustrar a investigação. Não jogo provas fora, então eu quero dar valor a essa delação para que eu possa utilizá-la.
8 de janeiro
Carlos Frederico dos Santos também é responsável na PGR pela investigação dos atos golpistas do 8 de janeiro. Dez meses após as invasões e depredações das sedes dos três Poderes, em Brasília, o subprocurador informou que o foco da Procuradoria agora está nas autoridades que se omitiram e nos financiadores do vandalismo.
O subprocurador disse ainda que, a partir do compartilhamento de informações da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPI), que sugeriu o indiciamento de Bolsonaro e outras 59 pessoas, o trabalho de investigação deverá se estender também pelo próximo ano.
— Nós precisamos saber de onde parte a autoria intelectual. Todo mundo suspeita (de onde ela parte), mas eu costumo dizer que não investigo pessoas, investigo fatos. As pessoas então vão aparecendo, mas não vou afirmar nada prematuramente. Todas as provas estão sendo aproveitadas para um eventual oferecimento de denúncia nesse sentido — destacou ele.
O Globo