Alvo do Senado, decisões individuais do STF já barraram nomeação de Lula e piso da enfermagem

Alvo do Senado, as decisões individuais de ministros da Corte já foram responsáveis por medidas de impacto, como a proibição de que o hoje presidente Lula assumisse a Casa Civil na gestão de Dilma Rousseff, a derrubada do orçamento secreto e do piso salarial para enfermagem.

O texto aprovado pelo Senado veda as decisões monocráticas para suspender os seguintes casos:

ato do Presidente da República;
do Presidente do Senado Federal;
do Presidente da Câmara dos Deputados;
do Presidente do Congresso Nacional.
Em 2016, em meio à crise que cercava o governo Dilma, o ministro do STF Gilmar Mendes suspendeu a nomeação de Lula para a Casa Civil, depois que o petista já havia tomado posse. A nomeação foi um ato presidencial e, de acordo com o texto da PEC, não poderia ser derrubada em decisão individual.

No caso do orçamento secreto, em novembro de 2021, pouco antes do recesso do Judiciário, a ministra Rosa Weber suspendeu o pagamento das emendas de relator ao Orçamento da União. Depois, o plenário do STF referendou a decisão por 8 votos a 2. No ano anterior, a nomeação do então diretor-geral da Abin, Alexandre Ramagem, para a chefia da Polícia Federal também foi suspensa por Moraes.

Em 2023, estão entre os temas que acabaram sendo apreciados monocraticamente a Lei das Estatais e a decisão que suspendeu uma lei de Porto Alegre que instituiu o dia 8 de janeiro como “Dia do Patriota”. Todas elas foram referendadas em seguida.

Em março, pouco antes de sua aposentadoria, o ministro Ricardo Lewandowski suspendeu os efeitos de norma da Lei das Estatais que restringia indicações de conselheiros e diretores que sejam titulares de alguns cargos públicos ou que tenham atuado, nos três anos anteriores, na estrutura decisória de partido político ou na organização e na realização de campanha eleitoral. O referendo a essa decisão começou a ser analisado em julgamento feito pelo plenário virtual, mas foi suspenso após um pedido de vista do ministro Dias Toffoli. O julgamento ainda não foi retomado.

Em agosto, o ministro Luiz Fux suspendeu a eficácia de lei da cidade de Porto Alegre que instituiu o Dia do Patriota, a ser celebrado em 8 de janeiro, mesmo dia dos ataques antidemocráticos na praça dos Três Poderes que culminaram com a invasão e depredação dos prédios do Congresso Nacional, Palácio do Planalto e do STF. A decisão liminar foi logo em seguida submetida ao plenário, e confirmada. A ação foi apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), para quem a lei visa comemorar a “prática de atos contrários ao Estado Democrático de Direito”, a exaltação de “atos criminosos” e o “estímulo à reiteração de condutas dessa natureza pela população do município”.

No ano passado, uma decisão individual do ministro Luís Roberto Barroso suspendeu o piso salarial nacional da enfermagem e deu prazo de 60 dias para entes públicos e privados da área da saúde esclarecerem o impacto financeiro, os riscos para empregabilidade no setor e eventual redução na qualidade dos serviços. Em julgamento feito em julho deste ano, após a liminar, STF definiu que o piso de enfermagem no setor privado deve ser pago se não houver acordo coletivo.

Maioria das decisões
Dados do Supremo mostram que este ano foram tomadas 78.031 decisões monocráticas na Corte. O número representa 83% do total de decisões proferidas pelo STF neste ano, 93.436.

As decisões individuais, porém, já têm sido alvo de regras internas do STF que vêm buscando dar maior colegialidade ao que é decidido. No final do ano passado, ainda sob a presidência da ministra Rosa Weber, a Corte uma mudança regimental determinou que o ministro relator submeta imediatamente ao plenário as decisões monocráticas envolvendo prisão, afastamento de cargo público ou interrupção de alguma política governamental.

A partir dessa regra, mesmo em casos de urgência, a decisão pode ser tomada monocraticamente, porém, precisa ser imediatamente submetida a um órgão coletivo que vai confirmá-la, ou não.

O que fica fora
A PEC que visa limitar as decisões monocráticas, contudo, não atingirá uma série de outras possibilidades de os ministros se posicionarem de maneira individual. É o caso, por exemplo, de temas criminais e investigações, ou as reclamações contra decisões de outras instâncias da Justiça.

Neste ano, por exemplo, o ministro Dias Toffoli determinou, de forma individual, a anulação de todas as provas obtidas no acordo de leniência da Odebrecht, homologado em 2017, que atingiu dezenas de políticos de vários partidos. A decisão de Toffoli anulou quaisquer provas obtidas dos sistemas Drousys e My Web Day em “qualquer âmbito ou grau de jurisdição”. A decisão foi tomada em uma ação apresentada pela defesa de Lula, ainda em 2020, para questionar as provas obtidas no acordo de leniência da Odebrecht. No decorrer da tramitação, o processo também passou a tratar das mensagens obtidas na Operação Spoofing.

No final de setembro, uma decisão do ministro Gilmar Mendes arquivou o inquérito envolvendo aliados do presidente da Câmara sobre a suspeita de desvios em contratos de kits de robótica. O arquivamento do inquérito foi uma decorrência da decisão, tomada em agosto, em que o decano do STF havia anulado as provas contra o deputado federal, seguindo o parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Também em 2022, uma decisão do ministro Alexandre de Moraes autorizou uma operação contra empresários bolsonaristas que compartilharam mensagens pregando ruptura democrática em um grupo de conversas virtuais. Na operação, a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão, quebra de sigilos bancário e telemático e bloqueio de todas as contas bancárias dos empresários. Em agosto deste ano, o ministro determinou o arquivamento de investigação contra seis dos oito empresários.

Pedro Augusto é jornalista e repórter do Jornal VANGUARDA.