Por Arnaldo Dantas
“Os homens são mais filhos de seu tempo do que de seus pais”. A frase do autor Bernard Fauconnier se encaixa como uma luva na obra biográfica que o jornalista e historiador Fernandino Neto fez sobre a vida e obra de Anastácio Rodrigues. Um homem moldado, esculpido e construído através das vivências com os paradigmas, dilemas e contradições do seu tempo. Anastácio vivenciou e interagiu com os principais acontecimentos do seu contexto histórico, como a II Guerra Mundial, a ditadura do Estado Novo, o período de reconstituição da democracia brasileira de 1946 a 1964, a Guerra Fria, a redemocratização do Brasil pós 1985, o fim da guerra fria e a nova ordem mundial ditada pelo globalização e neoliberalismo.
Ao escrever a história do ex-prefeito Anastácio Rodrigues, Fernandino mostra todas as perspectivas de um ser humano, sua origem e formação, os vários contextos e conjuntura que vivenciou e no cerne da questão, com riqueza de detalhes, a história de Caruaru, principalmente a partir de 1947; quem foram os protagonistas, como se deram as articulações, como os palanques eleitorais foram montados, o que decidiu e decide as eleições. Trabalho de fôlego, de profundidade intelectual e de uma ampla e cansativa pesquisa, um guia indispensável para quem quer conhecer a história política do município, um documento vivo e vibrante da nossa memória, tradições e identidade.
Foi a partir da realidade local que o jovem Anastácio percebeu e vislumbrou o mundo que lhe circundou, inclusive seus males, os vícios e os pecados que moldaram a cultura política brasileira e, em particular, a nordestina. Assim, Anastácio percebeu e desenvolveu criticidade acerca das velhas práticas políticas que se renovavam, ganhavam novas roupagens e se modernizavam tecnologicamente, mas sem perder sua essência e, até hoje, se mantiveram resistentes ao tempo, tais como: patrimonialismo, paternalismo, coronelismo, messianismo e as mais diversas e diferentes formas de clientelismo.
No entanto, Anastácio não é só parte da história e das relações políticas e de poder do seu tempo, mas também é produto da trama do cotidiano e do imaginário social da cidade de Caruaru. Imaginário construído porque Anastácio insistiu no ver, sentir, vivenciar e interagir com seu povo, seja pelas ruas, becos, bairros e praças, desde sua origem, humilde, passando por sua ascensão intelectual até galgar o cargo público mais importante do município. Esta simbiose orgânica e estética é que permitiu a Anastácio entender a vida em suas múltiplas temporalidades e suas várias dimensões, que vai do profano ao sagrado, do lúdico ao trágico, da metrópole à província, do país à paróquia. É nessa dialética que nasce Caruaru, que nasceu Anastácio. Criativo, ousado, inteligente, generoso com os humildes e,muitas vezes, implacável com os poderosos, não se vendeu ao conclaves, construiu uma carreira política pautada na ética e na moralidade pública.
O amor de Anastácio por Caruaru e seu compromisso inegociável com o progresso e qualidade de vida para a cidade e seu povo, vão muito além de meramente encargos da vida política, envolvem também a criação de uma área quase mitológica em torno de sua honestidade e decência. Em uma sociedade, como a brasileira, em que o tecido social se decompõe, que o ódio, a intolerância, a exclusão social ameaça o Estado Democrático de Direito, homens como Anastácio, que fizeram de sua vida pública um exemplo, servem de referência e de estudo e por essa razão devem ser eternos.