Que tal ser reverenciado com um “Feliz Natal” numa Quarta-Feira de Cinzas? E num rala-bucho de São João? Ou até, creia, sussurrado num velório? Esta era uma das marcas registradas de Antonio Miranda, um dos filhos mais queridos que Caruaru já teve. Gente da gente.
O Café Rio Branco, saudoso ponto de encontro da velha guarda da cidade, foi palco das contações de estórias e das sonoras gargalhadas provocadas pelas piadas narradas por Miranda. Se nas raras consultas médicas a que se submeteu tivessem radiografado o seu coração com algum equipamento especial, certamente constatariam que aquele órgão não era provido das dimensões necessárias para abrigar todos os amores que colecionou ao longo da vida: a família, o jornalismo, os incontáveis amigos e Caruaru, a sua terra natal, de onde nunca quis arredar o pé. Some-se a isto, o prazer que sentia em fazer o bem, principalmente aos mais necessitados e menos esclarecidos.
Orientações a velhinhos e velhinhas eletivos aos direitos previdenciários de aposentadoria, por exemplo, fazia parte do seu cotidiano. E os honorários cobrados eram os semblantes alegres de cada um dos novos felizardos, os quais ele recebia pelos olhos e guardava no seu polpudo e bondoso coração.
Boa parte da história da Capital do Agreste foi contada por aquele gigante de pouco mais de um metro e sessenta de altura, mas de dimensões inimagináveis de criatividade e de amor às suas raízes. Os periódicos Jornal do Agreste, A Defesa e Vanguarda lhe deram guarida e se viram recompensados com a conquista de novos e fiéis leitores. Da mesma forma, emprestou o seu talento às mais antigas e tradicionais rádios do interior pernambucano, Difusora, Cultura e Liberdade, com agradáveis crônicas e comentários. Junte-se a tudo isto os memoráveis trabalhos nos poderosos Diário de Pernambuco e Jornal do Comércio, dos quais foi correspondente durante algumas décadas, quando se utilizou de tais veículos para divulgar a Capital do Agreste Pernambucano, como a genialidade do Mestre Vitalino e fatos inusitados, a exemplo de “O Defunto Que Pulou O Muro do Cemitério” e “A Vaca Que Dançou Xaxado Em Cima Do Telhado De Uma Fábrica”, matéria esta noticiada até pela BBC de Londres, no Reino Unido. Foi nesse meio que fez belas amizades e fortes parcerias com figuras do mundo literário e cultural da nossa terra, que ganharam fama nacional, como Nelson Barbalho e os irmãos Condé, dentre outros.
Já à beira dos noventa e seis anos de vida, tinha uma disposição física invejável. Era tanta energia que, em tom de brincadeira, claro, eu costumava dizer que “dentro em breve não comemoraríamos os cem anos de vida dele, mas sim o seu primeiro centenário e, a partir de então, começaríamos os preparativos para as comemorações do segundo”.
Todos os dias andava “léguas”, como ele costumeiramente dizia, para encontrar os amigos e conversar com conhecidos e desconhecidos. “Eu vou levando a vida enquanto a morte não me leva”. Passou a ser esta a resposta aos muitos “Como vai, Miranda?”, que recebia todos os dias. Foi o último bordão que aquela criatura, retrato vivo da alegria, utilizou para demonstrar, sem nenhum temor, que pressentia estar na reta final da maratona iniciada em 1923.
Reza a lenda que, nas primeiras horas do primeiro dia do mês de abril do ano de mil novecentos e vinte e três, Caruaru foi despertada pelo clarão de um raio seguido de um vozeirão vindo dos céus com um anúncio assustador: “esta cidade jamais terá um filho dotado de alegria contagiante, de conversa cativante, nem de talento brilhante”. Naquele exato momento, a senhora Alexandrina Vasconcelos Cavalcante deu à luz Antonio Miranda Cavalcante. E embalada por uma divina gargalhada, a mesma voz voltou a gritar: “PRIMEIRO DE ABRIIIIIIIIIIIIIIIL!
Quem sempre viveu nos corações de tanta gente, não morrerá jamais.
Parabéns, meu pai, pelo seu primeiro Centenário.