Prestes a entrar em debate na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a proposta de dar aval para o cultivo de maconha no país deverá ter foco na pesquisa e produção de medicamentos, sem que haja espaço para outros produtos, afirmou à Folha de S.Paulo o diretor-presidente da agência, William Dib.
“Precisa ficar claro o seguinte: não estamos liberando a Cannabis, mas liberando medicamentos à base de Cannabis”, disse. “Ah, mas cigarro [de maconha] é bom para cefaleia [dor de cabeça].’ Não pode. Essa forma de administração não vai existir. Se quiser xampu à base de cannabis, também não terá.”
Na próxima semana, diretores discutirão a possibilidade de submeter à consulta pública duas propostas de resoluções: uma que regulará o plantio de Cannabis no Brasil para pesquisa e outra com regras para registro de medicamentos, pós-registro e monitoramento desses produtos.
Hoje, o plantio de Cannabis é vetado no Brasil. Desde 2006, no entanto, a lei 11.343 prevê a possibilidade de que a União autorize o cultivo “para fins medicinais e científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização”.
O novo debate, assim, representa o primeiro passo para a regulamentação do tema, o que poderá aumentar o espaço para o uso medicinal da maconha no país.O objetivo, de acordo com Dib, relator das propostas, é facilitar o acesso a pacientes que hoje buscam aval da agência para importar medicamentos à base da planta.
“Fazendo essas duas regulações, a população vai ter acesso a um remédio mais seguro, de melhor qualidade e a preço menor do que hoje. Além disso, vamos abrir espaço a mais medicamentos.”
Desde 2015, a Anvisa autoriza pedidos para importação de óleos e medicamentos à base principalmente de canabidiol –substância da maconha que tem alguns efeitos terapêuticos e não é psicoativa, ou seja, não dá “barato”.
Alguns dos produtos, porém, podem ter também uma menor concentração de THC (tetrahidrocanabinol), esse, sim, que gera efeitos psicoativos e tem ganhado atenção em pesquisas de saúde.Ao todo, 6.789 pacientes já obtiveram o aval para importar produtos com canabidiol, condicionado a documentos e laudos médicos.
As doenças mais frequentemente tratadas são epilepsia, autismo, dor crônica, doença de Parkinson e alguns tipos de câncer. O problema, porém, é que os custos são altos. Um tratamento por três meses chega a R$ 2.000, o que tem feito crescerem as ações judiciais para que planos de saúde e no SUS forneçam os produtos.
Daí, segundo Dib, a necessidade de regular o tema. “É um processo que vai ser baseado na segurança do paciente, de quem já faz uso e de quem possa vir a fazer, dependendo de prescrição médica.”
Ainda assim, os remédios “não serão para tudo nem para todos”, afirma. Segundo ele, a ideia é que o processo resulte na liberação de medicamentos e extratos de derivados da Cannabis apenas para doenças em que esse tipo de tratamento tiver evidências clínicas de eficácia em determinadas concentrações.”Até porque não acredito que Bombril e suas mil e uma utilidades exista na medicina”, compara.
Atualmente, o Brasil tem apenas um medicamento registrado à base de Cannabis: o Mevatyl, produto composto por canabidiol e THC e indicado para tratamentos de espasmos para pacientes com quadro de esclerose múltipla. Mas, além do uso restrito, o custo também é alto: em torno de R$ 2.600 a embalagem.
Para Dib, com o aval ao cultivo, o Brasil poderá aumentar o número de medicamentos e, por consequência, baixar os preços.Para que isso ocorra, o plantio e produção serão restritos a empresas, que devem obter um tipo de licença especial. “Como todas que mexem com produtos de saúde, será preciso apresentar um projeto que será aprovado antes de se instalar e abrir as portas.”
A ideia é que haja cotas de produção, em modelo semelhante ao praticado hoje em outros países, como o Canadá, onde o cultivo é autorizado e monitorado pelo governo.Ele nega que haja possibilidade de abertura para uso recreativo e diz que a proposta vetará também qualquer abertura para produção por pessoas físicas, ainda que haja a justificativa de uso medicinal.
Nos últimos anos, cresceu o número de famílias com aval na Justiça para cultivo da Cannabis. Dib, porém, vê problemas nesse processo.”Ninguém tem condição na sua casa de dosar o que tem de canabidiol, de THC, e nem de dosar a quantidade que seu filho pode usar. Isso não é chá de boldo, em que tomar um pouco a mais ou um pouco a menos que não vai mudar muito. Precisa de conhecimento e dosagens científicas.”