Por Gabriela Kopnits
Há não muito tempo atrás a criança ainda era vista simplesmente como “um adulto em miniatura”, conceito medievalista ainda prevalente. Não se pensava a criança como um ser tenro, que necessitasse de cuidados especiais, de educação cuidadosamente elaborada para ela. O fato de uma criança nascer significava apenas um par de braços a mais para ajudar na lida e uma boca a mais para sustentar nas classes mais baixas ou um peão valioso no jogo dos casamentos e dotes arranjados por interesse político ou financeiro.
Até o que hoje conhecemos como estórias para crianças, muitas não foram absolutamente pensadas ou mesmo compostas para elas, entre estas clássicos como Chapeuzinho Vermelho e A bela adormecida (que no original se chamava A bela adormecida no bosque). Eram contos, em sua maioria com conselhos de bom comportamento embutidos, elaborados para as senhoras damas. Vejam o que aconteceu com a mocinha que não seguiu o conselho da mamãe! – dizia a história. Foi devorada por um lobo! – Arrematava o contador de estória, secundado por gritinhos de pavor das encantadoras mademoiselles.
Charles Perrault (1628-1703), contemporâneo e servidor de Luís XIV, foi quem primeiro teve a ideia de reunir esses relatos ouvidos nos salões da corte francesa no que seria o primeiro livro infantil. Publicado em janeiro de 1697 – Perrault já com 69 anos – o livro recebeu o nome de Histórias ou contos do tempo passado com moralidades com o subtítulo Contos da Mamãe Gansa (Histoires ou Contes du temps passé – Contes de ma mère l’Oye) e trazia os conhecidos A bela adormecida ao bosque (La Belle au bois dormant), Chapeuzinho Vermelho, O Barba Azul, O Gato de Botas, As fadas, Cinderela e Riquete de Crista.
A ideia do “adulto em miniatura” começou a mudar depois daí, graças também ao Renascimento, importante movimento cultural que marcou a transição entre o medievalismo e a nova cultura burguesa e afastou um bocado a Igreja da influência social. Os ares renovadores do Renascimento – depois a Revolução Francesa – abriram brechas no pensar ocidental que iriam trazer gratas consequências na vida cotidiana, entre elas a da educação menos rígida e opressora, especialmente nas classes mais ricas. No entanto, a criança só começou mesmo a ser vista como um ser especial, diferenciado, em meados do século XVIII, depois da Revolução Francesa e com o advento do Romantismo.
A educação infantil, propriamente dita, surgiu com o pedagogo alemão Friedrich Froebel que, de forma pioneira, em junho de 1840, fundou os Kindergarden (jardins de infância), associando a importância dos cuidados com a educação da criança, desde os seus mais tenros anos, para o seu correto e sadio desenvolvimento à imagem da plantinha sendo cuidada desde cedo por um atento jardineiro.
No Brasil, os livros ainda eram publicados pela Imprensa Régia, estrutura burocrática e de controle editorial trazida por D. João VI em 1808. Traduções de Perrault e dos folcloristas alemães Jacob e Wilhelm Grimm era o que havia. Foi só em 1894 que o jornalista carioca Alberto Figueiredo Pimentel (1869-1914) publicou o primeiro livro infantil do país: Contos da Carochinha, coletânea com 61 contos populares, “morais e proveitosos, de vários países, traduzidos e recolhidos diretamente da tradição oral”, como está dito na contracapa.
Mas o primeiro livro escrito de fato para as crianças aqui no Brasil, retratando a nossa cultura, as nossas tradições e valores, foi mesmo A menina do narizinho arrebitado, publicado por José (Renato) Bento Monteiro Lobato em 1920, dando origem a uma série de livros de amplo sucesso com os personagens do Sítio do Picapau Amarelo.
Narizinho, Pedrinho, Emília a boneca falante, o Visconde de Sabugosa, Dona Benta, Tia Nastácia e seus deliciosos bolinhos de chuva, o Saci e a Cuca, dentre outros queridos personagens saídos da genial imaginação de Monteiro Lobato, vêm acompanhando gerações de crianças desde então, rendendo ao escritor o justo reconhecimento de Patrono da Literatura Infantil Brasileira. Mas o reconhecimento maior mesmo veio através da Lei nº 10.402, assinada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso Lei, em 8 de janeiro de 2002, instituindo o Dia Nacional do Livro Infantil, a ser comemorado anualmente no dia 18 de abril, data do nascimento do grande Monteiro Lobato.
“Um país se faz com homens e livros”, disse o mestre. Viva, pois, o Dia Nacional do Livro Infantil!