Por Gabriela Kopinits
Viajar por outras terras, conhecer outras culturas e outros povos sem sair do lugar. Ir do Brasil à África em questão de segundos! Mergulhar bem lá no fundo do mar, dentro de um fantástico submarino com o Capitão Nemo e ver os peixes mais incríveis do oceano? E ainda bater um papo com um gigante e conhecer o magnífico país de Lilliput ou ainda dançar com a bela Titânia e suas fadas?
Quem não gostaria disso? Passear pelo mundo inteiro sem ter que gastar dinheiro, sem ter que pagar passagem?
Maluquice? Que nada! Magia e da boa. Basta pronunciar três palavrinhas: era uma vez…
A mais conhecida introdução de estórias, “Era uma vez…”, é a fórmula mágica para viagens fantásticas como essas e muitas outras narradas pelos nossos contadores de estórias, dentre os quais um dos maiores foi José (Renato) Bento Monteiro Lobato, o criador do Sítio do Picapau Amarelo.
A maior parte das crianças brasileiras certamente conhece personagens como a Emília, Narizinho, Pedrinho, o Visconde, dona Benta, tia Nastácia, o Burro Falante, a Cuca, o Saci e a Iara. Estes são alguns dos moradores do encantado sítio onde mil aventuras sem fim são possíveis de ser vividas. Afinal, em que outro lugar do mundo se poderiam conhecer o Barão de Münchausen, o maior cascateiro da História, o temível Minotauro, um Centauro de verdade e ainda o grande filósofo Sócrates? Em que outro lugar poderia uma espiga de milho virar um visconde, ou uma boneca de pano falar e ainda virar marquesa? E uma menina casar com um príncipe peixe? Ou um jacaré ser, na verdade, uma terrível feiticeira?
A mais importante – e talvez a mais brasileira – das obras infantis já escritas, o Sítio do Picapau Amarelo nasceu da imaginação do neto do Visconde de Tremembé, batizado José Renato, nascido em Taubaté em 18 de abril de 1882 e falecido em 04 de julho de 1948.
Formado em Direito, a primeira ocupação de Monteiro Lobato foi como promotor. Quando herda do nobre avô a fazenda São José do Buquira (onde hoje é o Museu Monteiro Lobato, no município que leva seu nome), Lobato decide mudar de vida (e da pequena Areias onde exercia sua profissão) e vai com a mulher, Maria Pureza da Natividade de Souza e Castro (Purezinha) e os dois filhos Marta e Edgard para Buquira.
A nova vida de fazendeiro não foi de todo ruim e, se não deu para fazer fortuna, foi lá que lhe nasceram os filhos Guilherme e Rute e onde Monteiro Lobato (que já escrevia artigos e contos desde a época da faculdade) encontrou inspiração para criar seus personagens mais famosos, começando com “A menina do narizinho arrebitado”, obra publicada em 1921.
Mas o maior feito de Lobato, além da criação de uma literatura infantil largamente inspirada no folclore brasileiro (antes as obras eram meras traduções ou adaptações de estórias vindas principalmente da Europa), foi a de ter fundado a primeira editora brasileira, a Monteiro Lobato e Cia. Vou contar essa história: em 1918, ele vendeu a Fazenda Buquira e comprou a Revista do Brasil, que deu espaço a autores nacionais, como Godofredo Rangel (autor de “Um passeio à casa de Papai Noel” e “Histórias do tempo do onça”, entre outros), além dele mesmo, que publicou por ela “Urupês”, uma série de 14 contos que denunciam o descaso do governo com as dificuldades do produtor rural. É em Urupês que ele apresenta o personagem Jeca Tatu, símbolo do caipira sofredor e depois personagem de campanha sanitarista do Instituto Oswaldo Cruz.
Através da sua editora, Lobato deu oportunidade a autores que não conseguiam publicar suas obras por serem ainda desconhecidos. Disse ele: “Fui um editor revolucionário. Abri as portas aos novos. Era uma grande recomendação a chegada dum autor totalmente desconhecido – eu lhe examinava a obra com mais interesse. Nosso gosto era lançar nomes novos, exatamente o contrário dos velhos editores que só queriam saber dos “consagrados”.
Foi nessa época em que o visionário Monteiro Lobato teve uma ideia genial para vender livros. O problema principal era quanto à distribuição deles e Lobato achava que livro era que nem sobremesa, devia ser colocado debaixo do nariz das pessoas. O pesquisador Laurence Hallewell registra em “O livro no Brasil: sua história” (São Paulo: EdUSP, 2005, p. 320) que ele “escreveu para todos os agentes postais do Brasil (1300 ao todo), solicitando nomes e endereços de bancas de jornais, papelarias, armazéns e farmácias interessadas em vender livros”, dando início a uma rede de quase dois mil distribuidores de livros pelo país.
Infelizmente, por problemas financeiros, o empreendimento acabou sendo vendido, em 1925, a Assis Chateaubriand, mas um tempo depois, o inquieto empreendedor fundou com apoio de Octalles Marcondes Ferreira (que havia sido seu auxiliar no projeto anterior da Editora Monteiro Lobato) a Companhia Editora Nacional. Foi através dela que foi publicado o primeiro livro escrito no Brasil no século XVI, a obra “Meu cativeiro entre os selvagens brasileiros”, do aventureiro e mercenário alemão Hans Staden, que passou nove meses refém dos índios tupinambás.
A companhia, no entanto, não ficou muito tempo nas mãos de Lobato, que teve que vender suas ações ao sócio após grande prejuízo das ações investidas na Bolsa de Nova Iorque, época em que ele vivia nos Estados Unidos como adido comercial do governo brasileiro e em que escreveu as outras obras que iriam virar as aventuras do Sítio do Picapau Amarelo, reunidas no livro “Reinações de Narizinho” (1931).
De volta a São Paulo, focou seu interesse no petróleo e fundou várias companhias petrolíferas, sempre defendendo que a riqueza do petróleo brasileiro poderia melhorar a vida do povo, numa luta renhida contra interesses políticos e econômicos que o deixaram pobre e doente. Acusando o governo Vargas de administrar o país contra os interesses do brasileiro e criticando acidamente o então Conselho Nacional do Petróleo, foi condenado à prisão, ficando de março a junho de 1941 no Presídio Tiradentes e saindo de lá um homem ainda mais indignado contra a repressão aos que defendiam os direitos do povo.
Sempre usando a ferina e arguta pena, Lobato seguiu lutando pelo que acreditava, apoiou o Comunismo e defendeu até o fim o petróleo como bem de todos. O corpo, cansado das longas batalhas e da injustiça social e política, entrou em colapso e o grande escritor e nacionalista acabou deixando a vida terrena na madrugada do dia 04 de julho de 1948, aos 66 anos.
Sua vida, por si só, já é obra digna de aprofundado estudo e admiração, bem como sua produção literária, principalmente a que vem maravilhando tantas e tantas crianças há quase cem anos. Por isso, mui merecidamente, em 08 de janeiro de 2002 o então presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou a Lei nº 10.402/02, criando o Dia Nacional do Livro Infantil, “a ser comemorado, anualmente, no dia 18 de abril, data natalícia do escritor Monteiro Lobato”. Viva, pois, Monteiro Lobato!