A arbitragem é uma ferramenta de resolução de conflitos em que as partes interessadas nomeiam um árbitro – qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes – para solucionar a desavença, sem a participação do Poder Judiciário.
Refere-se, pois, a um forte aliado na solução de contendas em vários ramos do direito, como do consumidor, de contratos, de família, de infraestrutura e, também, de relações do trabalho. Nesse último, em sua perspectiva mais ampla, envolve para além de conflitos individuais entre empregados e empregadores, também as lides sindicais, não só de conflitos coletivos relacionados às condições de trabalho, como também as relativas à representação sindical.
E, destaca-se, essa ferramenta não é uma novidade nas relações do trabalho, especialmente no tocante aos conflitos coletivos. A utilização da arbitragem para resolver conflitos trabalhistas – coletivos e individuais – tem previsão legal pelo menos desde a edição da Lei nº 9.307/1996 (Lei de Arbitragem), a qual permitiu que pessoas capazes pudessem se valer da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
Em relação ao conflito individual do trabalho, a arbitragem, mesmo com o advento da Lei nº 9.307/1996, sempre teve resistência da Justiça do Trabalho, sendo muito pouco aproveitada. No mínimo existiam duas correntes: uma defendendo que essa lei poderia abarcar as lides individuais, quando envolvesse direitos patrimoniais disponíveis, e uma segunda comungando da tese cuja arbitragem não se aplicaria aos direitos individuais diante da hipossuficiência do trabalhador, das peculiaridades das relações de trabalho e sobretudo sob o argumento do caráter irrenunciável do crédito trabalhista, ou seja, esses seriam direitos patrimoniais indisponíveis.
Essa segunda corrente desenhou um cenário desfavorável na Justiça do Trabalho sobre a aplicação da arbitragem nas relações individuais trabalhistas, o que, certamente, inibiu as partes de buscarem essa alternativa para solucionar os seus conflitos.
Todavia, adiante, em 2017, sobreveio a reforma trabalhista, que pela Lei nº 13.467 inseriu na Consolidação das Lei do Trabalho (CLT) o artigo 507-A, autorizando, expressamente, a pactuação de cláusula compromissória de arbitragem nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, sob condição de iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos termos da Lei nº 9.307/1996.
Com isso, um novo cenário começa a ser desenhado sobre a arbitragem como método de solução de conflitos individuais trabalhistas, rompendo o estigma de que somente o Judiciário pode compor esse tipo de conflito e, por outro lado, fomentado o espaço para as resoluções extrajudiciais de litígios nas relações do trabalho entre empregado e empregador, com maior valorização do diálogo.
Em referência aos conflitos trabalhistas coletivos, sua utilização está prevista muito antes do que na própria Lei de Arbitragem de 1996. A Lei de Greve de 1989, Lei nº 7.783, desde então prevê sua utilização. Expressamente, no seu artigo 3º, dispõe que “Frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação coletiva do trabalho”.
Assim como também estava expresso na Lei nº 8.630, de 1993, a qual disciplinava o trabalho nos portos, no seu artigo 23 que as partes deveriam recorrer à arbitragem quando houvesse impasse na solução da lide pela Comissão Paritária criada no âmbito do órgão de gestão de mão de obra. Essa lei foi revogada pela Lei nº 12.815, de 2015, mas essa previsão se manteve (art. 37, § 1º).
A Lei da Participação nos Lucros e Resultados – Lei nº 10.101 de 2000 – também é expressa ao possibilitar às partes o uso da arbitragem no caso de impasse na negociação coletiva.
E colocando uma pá de cal em qualquer e eventual dúvida sobre a possibilidade da utilização da arbitragem nos conflitos coletivos de trabalho, a Constituição Federal, na redação dada pela Emenda 45, de 2004, explicitamente previu sua utilização, ao dispor no seu artigo 114, § 2º, que “recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente”.
Ademais, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) também trilha esse caminho quando, no texto da Convenção 154, ratificada pelo Brasil, estabelece que os sistemas de relações de trabalho nos quais a negociação coletiva tenha lugar de acordo com os mecanismos de arbitragem estão acolhidos por essa Convenção.
Tem-se que há muito as disposições legislativas recomendam expressamente a utilização da arbitragem nos conflitos coletivos de trabalho, não havendo, portanto, óbice para sua aplicação. Nesse caso, embora também pouco utilizado no Brasil, há uma aceitação maior no seu emprego, porque, entre outros, a representação dos trabalhadores pelo sindicato pode afastar qualquer vulnerabilidade e equilibrar as forças na relação de emprego.
Há vantagens da arbitragem na resolução de conflitos nas relações do trabalho. É verdade que a arbitragem trabalhista é muito pouco utilizada, inclusive na parte coletiva e em conflitos intersindicais, preferindo as partes ficar sob a tutela do Estado, que examina a contenda e impõe às partes uma solução. Mas é preciso quebrar esse protótipo, pois muitas podem ser as vantagens na utilização dessa vigorosa fórmula para soluções de controvérsias, as quais podem variar caso a caso, a depender do objeto e valor do conflito, das partes envolvidas e da necessidade mais célere de uma decisão.
De um modo geral, a arbitragem auxilia na diminuição de processos da Justiça. Para se ter uma ideia, no Relatório de Justiça em Números de 2020, consta que o Poder Judiciário finalizou o ano de 2019 com mais ou menos 77 milhões de processos aguardando uma solução definitiva. O recorte da Justiça do Trabalho – nesse mesmo ano – revela em tramitação em torno de 8 milhões de processos.
E ainda colabora com a redução dos gastos públicos. Nesse mesmo relatório é possível extrair que o Poder Judiciário, como um todo, custa aos cofres públicos em torno de 100 bilhões de reais. Desse valor, cerca de 20 bilhões é o custo da Justiça do Trabalho.
Afora dessas vantagens gerais, existem outras que podem concernir diretamente às partes interessadas e envolvidas na arbitragem, como por exemplo: (i) primazia das partes, ao possibilitar a escolha do árbitro que julgarem mais adequado ou especializado para resolverem a contenda; (ii) maior rapidez na elucidação do litígio; (iii) economia, se considerados, entre outros, os gastos com custas processuais, honorários advocatícios, deslocamentos para audiências, correção e juros pelo tempo de tramitação do processo em comparação com os custos de contratação de um árbitro; e (iv) sigilo, pois enquanto um processo judicial em regra é público, a temática e decisões tomadas no processo arbitral são confidenciais apenas às partes envolvidas, protegendo as pessoas, suas imagens etc.
Tem-se, portanto, que para além de um meio alternativo de solução de conflitos com todas as suas vantagens, a arbitragem se revela sob uma nova perspectiva, de mudança de paradigma, deixando de se basear numa cultura de métodos convencionais de solução tutelados pelo Estado para uma com maior autonomia das partes.
No entanto, para que esse novo paradigma se concretize, é importante as partes se valerem desse instrumento com cautela, responsabilidade e, sobretudo, norteadas pelo princípio da boa-fé e da confiança. Advogados, árbitros e instituições sérias são fundamentais na construção da pavimentação desse vigoroso instrumento lançado pelo legislativo e posto à disposição das partes.
*Sylvia Lorena T. de Sousa é advogada especialista em relações do trabalho e árbitra na CAMES.