Artigo: As ruas e as calçadas como medida da democracia das cidades

Por Marcelo Rodrigues

Em meio as discussões do Plano Diretor de nossa cidade, pouco se ouve falar nas diretrizes que estão sendo tomadas no âmbito do presente e do futuro das ruas e calçadas de Caruaru, fator esse de grande preocupação tendo em vista a precariedade, em particular, das calçadas em nosso Município, quando se sabe que constituem o espaço público por excelência, onde todos têm a garantia de ir, vir e circular. Para tanto, devem possuir as dimensões necessárias ao deslocamento com segurança e que sua conservação não comprometa a saúde dos pedestres com buracos, resíduos de todas as espécies e má conservação, uma vez que existe a gênese de achar que os espaços públicos são privados e, em sendo assim, podem sofrer todo tipo de intervenção particular. Alguns urbanistas afirmam que a “largura das calçadas são a medida da democracia de uma cidade”. Neste diapasão todos nós somos pedestres, podendo de forma transitória estar de bicicleta, em automóvel, no transporte público ou mesmo a pé.

Neste pensamento, faz-se mister traduzir para a realidade das ruas 3(três) princípios democráticos fundamentais no âmbito do Direito Urbanístico, e que devem estar inseridos nas plenárias para garantir o acesso às ruas e às calçadas: A liberdade de expressão, a alternância de poder e pluralidade.

No ponto, as ruas devem proporcionar garantia a todos para que se manifestem livremente, falem o que pensam e ouvi a opinião dos outros sem medo de represálias. Nas ruas isso implica que os meios de transporte maiores devem zelar pela segurança dos menores e todos pela segurança do pedestre. Esse princípio está esculpido no CTB, vitória para a democracia.

O que se observa na cidade é que o mais forte tem o monopólio do uso da força sem alternância de poder e é por isso que nossa sociedade se engessou e não progrediu. Alternância de poder é adequar que diferentes fluxos (carros, ônibus, vans, bicicletas, motocicletas, pedestres) tenham garantido o acesso seguro às vias.  Cada um a seu tempo e respeitando a presença do outro, todos possam utilizar as ruas.

A discussão da mobilidade passa por uma cidade plural, e estas são sempre as melhores. Já está comprovado que as cidades onde existem uma enorme quantidade de opções de transportes, democratiza as escolhas, e aí depende de cada um a seleção em conformidade com suas condições financeiras. É importante que se afirme e que se diga que o transporte individual, seja bicicleta, motocicleta ou automóvel, tem vantagens em relação ao transporte público, mas não pode orientar políticas públicas de mobilidade urbana.

Portanto, os meios de transportes públicos como ônibus, metrô, trens, BRT, VLT, etc,   devem ser alternativas eficazes ao transporte individual e coletivo, e são as melhores maneiras de garantir que os cidadãos possam escolher como desejam se deslocar, mas que haja a possibilidade/viabilidade de integração entre os diferentes modais, ou seja, por exemplo, que o indivíduo possa se deslocar até certo ponto da cidade de bicicleta, estacionando em bicicletários seguros, e daí ir ao seu trabalho ou atividade em um transporte público de qualidade, diminuindo os impactos, seja financeiro, de trânsito ou favorecendo a economia do baixo carbono.

Na verdade, todos os princípios democráticos aplicáveis às ruas mencionados aqui já estão previstos em lei. O que falta aos gestores de um modo geral é coragem e a adoção da lei de mobilidade como instrumento urbano para desenvolver com sustentabilidade, com a aplicação da economia do carbono zero, mitigando os efeitos do combustível fóssil e suas implicações na saúde das pessoas e no enfrentamento das mudanças climáticas.

Infelizmente a realidade prática ainda não contempla uma democracia efetiva. As pressões e os interesses de grupos para adequar as cidades aos meios de transporte individuais e motorizados ainda seguem com um grande poder de influência, embora o rumo desta distorção deverá ser corrigida pelas necessidades climáticas e pela discussão no seio da sociedade, atendo as necessidades coletivas ao invés do egoísmo individual do consumo.

Marcelo Rodrigues, é advogado, professor universitário, exerceu o cargo de Secretário de Meio Ambiente da Cidade do Recife.

Natural do Rio de Janeiro, é jornalista formado pela Favip. Desde 1990 é repórter do Jornal VANGUARDA, onde atua na editoria de política. Já foi correspondente do Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e Portal Terra.

4 thoughts on “Artigo: As ruas e as calçadas como medida da democracia das cidades

  1. Maria Betania Soares says:

    Texto leve, direto e incrivelmente escrito. Muito bom Doutor Marcelo Rodrigues, só vc mesmo para tratar uma assunto que nem passa ou passou por minha cabeça. Atualizado não, ultra atualizado. Estava sentindo a falta de texto inteligentes nos blogs, esse seu passa longe de ser um mero texto, aponta o presente e futuro. Abraço.

    Hj, professora da universidade Federal de Alagoas.

  2. José Adelmo Ferreira Júnior says:

    “Na verdade, todos os princípios democráticos aplicáveis às ruas mencionados aqui já estão previstos em lei. O que falta aos gestores de um modo geral é coragem e a adoção da lei de mobilidade como instrumento urbano para desenvolver com sustentabilidade, com a aplicação da economia do carbono zero, mitigando os efeitos do combustível fóssil e suas implicações na saúde das pessoas e no enfrentamento das mudanças climáticas.” – Marcelo Rodrigues.

    Simplesmente, PERFEITO, amigo!!!

    E isso, na prática, está atrasado há tempos!!!

    #Excelente #Texto #Parabéns

  3. Humberto Lins e Silva says:

    Marcelo, você é um homem de extremo conhecimento e capacidade, mas continua malhando em ferro frio, Caruaru nunca irá reconhecer suas qualidades( leia-se: os governantes), aconselho que fique no Recife, e procure se estabelecer lá, aqui é tempo perdido. Grande abraço amigo, vc é um homem de fibra, são poucos de sua qualidade, mas escute meu conselho.

  4. Thomas Campedelli says:

    Prezado amigo Marcelo, é um imenso privilégio desfrutar de uma leitura tão rica em conhecimento, louvável a forma mansa que o amigo aborda o assunto enfatizando as soluções e mostrando os problemas.
    meu muito obrigado por compartilhar seus conhecimentos, precisamos de pessoas como você afrente de honestidade e retidão inconteste e acima de tudo experiente e com domínio do que defende.

    Thomas Campedelli
    Recife-PE

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