A pandemia do “Discurso do ódio”
Não resta a menor dúvida de que, com o avanço do extremismo político
de direita ou de esquerda em alguns países, a percepção distorcida de que a liberdade de expressão chancela a livre possibilidade de falar e dar
opiniões contra minorias faz parte de uma “pseudodemocracia”. Com
efeito, num Estado democrático de Direito, a liberdade de expressão é
algo sagrado que todos nós devemos preservar, pois é a “alma do livre
pensamento”. Contudo, o que podemos inferir com o avanço das
ideologias extremistas é o uso dessa percepção distorcida, desse valor
democrático, para instrumentalizar um discurso de ódio, quer nas redes
sociais, quer nas relações interpessoais.
É bem verdade que, quando alguns líderes pelo mundo relativizam as
afrontas e o respeito a cor/etnia, gênero, crença, identidade, orientação
sexual, ou questões de cunho racista, velados ou não, ou então
questionam momentos trágicos da história da humanidade como o
holocausto, promovem o que podemos chamar de fragmentação da
construção de proteção da malha social das minorias, corroendo dessa
forma os princípios dos Direitos Humanos e da dignidade da pessoa
humana, abrangendo uma gama de grupos que acabam sendo alvos do
discurso de ódio. Há que se lembrar que a alma do livre pensamento vai
até o limite em que não afete os princípios que possam expor a
vulnerabilidade das minorias ou da diversidade social. Atualmente existe
um grande debate acerca dessa linha tênue entre liberdade de expressão
e discurso de ódio.
No Brasil o espelhamento e sua perversa permeabilidade diante das atuais
formas de racismo, velado ou não, nos remetem a uma reflexão dos níveis
de violência contra a população negra e outras minorias, assim como se
deu com a tragédia envolvendo o congolês Moise Kabagambe, espancado
até a morte em uma barraca de praia no Rio de Janeiro.
Para especialistas e estudiosos que se dedicam a investigar o discurso de
ódio no Brasil, a falta de leis claras contra práticas como a apologia ao
nazismo e outras intolerâncias é o principal obstáculo para a apuração
desses crimes. E mais, as células de grupos neonazistas aumentaram e se expandiram para as 5 regiões no Brasil nos últimos 3 anos, e hoje existem pelo menos 530 núcleos extremistas num universo que pode chegar a 10.000 pessoas, o que representa um crescimento de 270% de janeiro de 2019 a maio de 2021.
Portanto, como brasileiro, judeu e patriota, fico indignado com esses
números, pois é exatamente no desapercebido desprezo pelas minorias
que a violência, o racismo e a intolerância, mesmo que velados, tomam
contorno, fazendo com que as novas gerações despontem para uma triste
e perigosa convivência social, repetindo, assim, os erros do passado.
Fernando Rizzolo é advogado, jornalista, mestre em Direitos Fundamentais.