Artigo: Ao meu amigo Meuse Nogeuira

Por Magno Martins

Recebi com profundo pesar a notícia da morte do jornalista Meuse Nogueira, 70 anos, do Diário de Pernambuco. Faz muito tempo que perdi o contato com ele, mas Meuse, de texto brilhante e impecável, faz parte da minha vida por um detalhe muito especial: foi o primeiro jornalista que conheci no Recife. Matuto vindo do Sertão, puxando a cachorrinha, como se diz no meu Pajeú, bati de frente com Meuse por acaso num barzinho chamado “No Meio do Mundo”, bairro das Graças, se não me falha a memória.

Boêmio contido, bom de prosa e discreto, Meuse puxou de repente uma conversa extremamente envolvente sobre jornalismo ao saber que eu estava ingressando no curso. Ele falava tão bem quanto escrevia, muitas vezes derivando para a sua veia poética. Decorei seu nome e só mais tarde soube que se tratava de um dos redatores da primeira página do velho DP. E tomei a liberdade de procurá-lo na redação, que funcionava na charmosa, agitada e romântica Praça da Independência.

Numa tarde serena, depois de criar coragem – eu era muito tímido e bem amatutado – fui até à redação ao encontro de Meuse. Ele me recebeu com um cigarro na mão e um copinho descartável de café na outra mão. Não consigo esquecer esses detalhes, porque nunca havia entrado numa redação de um jornal. E naquela época, início dos anos 80, o DP era uma grife, como é até hoje. Não é por acaso que tem a marca do mais antigo em circulação na América Latina.

Meuse perguntou se eu gostaria de ser correspondente do DP em Afogados da Ingazeira, minha terra natal, mesmo sabendo que já estudava Jornalismo no Recife. Com o meu sim de felicidade me apresentou a Gildson Oliveira, que Deus o chamou antes dele. Três dias depois, vi nas páginas do DP minha primeira matéria assinada como correspondente de Afogados da Ingazeira.

Como posso esquecer Meuse? Ele passou na minha vida como um rio de felicidade, abriu um raio de luz para iluminar meu caminho. Foi um grande companheiro, leal, correto. O tempo às vezes é alheio à nossa vontade, mas só o que é bom, como ele, dura tempo o bastante pra se tornar inesquecível. Fiquei muito tempo sem vê-lo. Na verdade, nem sabia que ele ainda pertencia aos quadros do DP.

Tenho impressão, ou quase certeza, que ele se orgulhava muito de ter sido o meu primeiro padrinho. O tempo deixa perguntas, mostra respostas, esclarece dúvidas, mas acima de tudo, o tempo traz verdades. E essas verdades, quando nos tocam profundamente, a gente tem que compartilhar.

Aprendi com o avançar da vida que a gente deve estar sempre olhando para o retrovisor. O que ficou para trás, pelo qual nos espelhamos para o tempo do presente e do futuro, é o tempo de reconhecimento. Coisas boas o tempo não destrói. Cora Coralina dizia que estamos todos matriculados na escola da vida, onde o mestre é o tempo. O tempo passou, me afastou forçadamente de Meuse.

Fica só a saudade e a gratidão. Não diz o poeta que a saudade eterniza a presença de quem se foi? Poderia ter dedicado mais tempo ao grande amigo, mas o tempo é implacável, rouba oportunidades e nos maltrata. Resta o consolo e a certeza de que naquele encontro com Meuse ele queria me ajudar, porque sabia que eu, o tempo todo olhando para o céu, enxergava muitas estrelas, mas muito poucas quando comparadas com todos os meus sonhos que ele ajudou a realizá-los.

Natural do Rio de Janeiro, é jornalista formado pela Favip. Desde 1990 é repórter do Jornal VANGUARDA, onde atua na editoria de política. Já foi correspondente do Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e Portal Terra.

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