Artigo: Caruaru uma cidade negra?

Por Aristóteles Veloso

Em meio à celebração da III Semana da Consciência Negra, lanço um questionamento sobre a negritude da cidade de Caruaru e sua mobilização em torno desta agenda. Minha intenção foi partir de um pergunta para conseguir provocar as respostas. Vejo que, desde 2011, estamos, através do diálogo entre sociedade civil e Secretaria Especial da Mulher e Direitos humanos (SMDH), buscando introduzir na agenda pública municipal e no debate da nossa cidade a pauta negra.

Ações foram desenvolvidas e continuam a ser desenvolvidos, encontros, seminários, debates, formações e capacitações, oficinas, exposições, conferências, caminhadas e semanas de reflexão e visibilidade da tradição, cultura e demandas da nossa negritude são uma constante e fazem parte, agora, do calendário da cidade. Esse processo é pedagógico e construtivo de identidades coletivas e sujeitos políticos que buscam autonomia e reconhecimento social.

A sociedade civil, via grupos de capoeira, maracatus e práticas religiosas, demanda ações e propõe agendas para visibilizar a cultura negra, a tradição e as demandas nacionais, estaduais e internacionais, surgindo novos sujeitos. A dimensão da nossa consciência negra cresceu consideravelmente.

São reflexos disso: a Semana da Consciência Negra, em sua terceira edição, e a caminhada de terreiros, em sua quarta edição. Hoje, temos clareza da constituição de um sujeito político que demanda do poder público ações nesta área, provoca outros atores sociais a incentivarem os debates nas suas instituições e chama a sociedade civil para a reflexão das questões que envolvem a negritude.

O poder público e a sociedade civil estão de parabéns neste aspecto de promoção e visibilidade da igualdade racial e religiosa, e do combate às práticas racistas em nossa sociedade. A história de Caruaru é marcada pela escravidão, e os frutos da escravidão são o preconceito, a discriminação e a negação de direitos a negros e negras. A sociedade produz uma imagem negativa, feia, suja e moralmente doentia do/a negro/a. Tiramos a sociedade de uma situação de conforto no que se refere à legitimação deste racismo pela ideia de não termos racismo.

Então, provocamos o debate sobre nossos próprios demônios; onde colocamos nosso preconceito? Onde ele se esconde? Pois bem, quilombolas, comunidades tradicionais de terreiros, capoeiras, militantes na cultura, educação, saúde e direitos humanos da população negra estão organizados e se organizando para combater o nosso racismo de cada dia, nosso mito freyreano da democracia racial, que nos coloca como uma nação mestiça e sem preconceitos de raça, que os negros e negras de nossa sociedade desfrutam das mesmas condições sociais, dos mesmos processos de acesso a bens e serviços públicos e privados, que não existe uma representação demoníaca e depreciativa da nossa negritude. Passa-se a ideia de um paraíso racial e que todo cidadão comum acredita nisso, acredita cegamente que o racismo passa pelo negro e não contra o negro.

Reside no combate a esse mito, a essa ideia e a essas práticas que nosso movimento negro deve combater e mobilizar a consciência negra todos os dias, afirmar que ser negro é bom, é belo e é ser de luta. Luta cotidiana por uma sociedade mais justa, igual e fraterna, livre do racismo nosso de cada dia. Quem me ler pode não concordar, e tem seu direito, mas Caruaru, depois da agenda pública que partiu do executivo público municipal, e foi operacionalizado pela Secretaria da Mulher e Direitos Humanos tornou-se mais negra, manifesta hoje sua negritude de forma mais clara, processos de promoção e combate ao racismo tomam forma e os negros e negras da cidade agradecem.

Aristóteles Veloso é professor da UNIFAVIP e gestor em Direitos humanos da Prefeitura Municipal de Caruaru.

Natural do Rio de Janeiro, é jornalista formado pela Favip. Desde 1990 é repórter do Jornal VANGUARDA, onde atua na editoria de política. Já foi correspondente do Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e Portal Terra.

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